Catequeses de preparação

Redescobrir as origens e o sentido da celebração da Eucaristia

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1.       Oração 

Deus rico em misericórdia, iluminai os nossos corações com a luz da fé e aquecei-os com o fogo do vosso amor, para que adoremos sempre em espírito e verdade Aquele que nos fala quando escutamos a palavra da Escritura, Jesus Cristo, vosso Filho. Ele que vive e reina pelos séculos dos séculos.

 

2.       Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Génesis 14,18-20; Hebreus 7,1-10

Os textos propostos para meditarmos e rezarmos colocam diante de nós a misteriosa figura de Melquisedec, rei e sacerdote, que sai ao encontro de Abraão, em Gn 14,18-20. O texto insere-se no chamado ciclo de Abraão (Gn 11,27–25,18), embora todo o capítulo 14 pareça relativamente isolado do resto da narrativa pelo seu caráter bélico, ao apresentar o patriarca Abraão como guerreiro que prefigura as futuras batalhas e vitórias de Israel. É neste contexto que Melquisedec – cujo nome significa o meu rei é justiça – vem ao encontro de Abraão, com as oferendas do pão e do vinho, recebendo dele o dízimo dos despojos da batalha e abençoando-o em nome do Deus Altíssimo.

Associado, na literatura judaica, à cidade de Jerusalém (devido ao apelativo rei de Salém com que é denominado), Melquisedec é o primeiro sacerdote a ser mencionado na Escritura e, depois do faraó do Egito (Gn 12,17-20), é o segundo estrangeiro a reconhecer a superioridade do Deus de Israel. No Antigo Testamento, este misterioso rei e sacerdote é mencionado apenas em Gn 14,18-20 e no Salmo 110 (109), no qual é apresentado como figura do Messias, que une em si as prerrogativas da realeza e do sacerdócio. Por seu lado, no Novo Testamento, a Carta aos Hebreus, assumindo como critério que toda a Escritura se refere ao mistério de Cristo, lê e associa as duas referências anteriores para apresentar Jesus como Messias e sacerdote. Deste modo, Melquisedec, recebendo o dízimo de Abraão e invocando sobre ele a bênção divina, mostra-se superior ao sacerdócio levítico do AT – que se transmitia pelo sangue, dentro de famílias sacerdotais – e torna-se, por isso, prefiguração de Cristo ressuscitado e sacerdote eterno: [Melquisedec] sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida, assemelha-se ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre (Heb 7,3).

Os dons oferecidos por Melquisedec, em Gn 14,8, são, no seu contexto, uma referência de hospitalidade e acolhimento e um convite ao descanso partilhado à volta da mesa. A leitura posterior deste versículo, à luz do mistério de Cristo, encontrou no pão e no vinho trazidos por Melquisedec uma prefiguração dos sinais eucarísticos instituídos por Jesus. Tal leitura é traduzida no Catecismo da Igreja Católica, quando afirma que a Igreja vê no gesto de Melquisedec, rei e sacerdote, que «ofereceu pão e vinho» (Gn 14, 18), uma prefiguração da sua própria oferenda (n.º 1333).

 

3.       Meditação da Palavra

Ainda antes de qualquer leitura cristã de Gn 14,18-20, os gestos descritos no texto como realizados pelo sacerdote Melquisedec – a oferenda do pão e do vinho, bem como a bênção invocada sobre Abraão – apelam a uma relação com o Deus criador marcada pela gratidão e pela comunhão. Assim, a oferta do pão e do vinho – frutos da terra, da videira e do trabalho do homem – exprime, ao mesmo tempo, a gratidão pelos dons da criação que servem de alimento ao ser humano e o desejo de que o Criador participe da comunhão que se estabelece à volta da mesa.

Por sua vez, o gesto de abençoar – em linha com a tradição espiritual do Antigo Testamento – não se confunde com qualquer prática mágica ou supersticiosa, mas é invocação da palavra eficaz de Deus, que realiza aquilo que significa. A bênção é, pois, palavra divina em ação, que capacita aquele que é abençoado a bendizer o Criador por todos os seus dons. Deste modo, oferecer e bendizer estão estritamente unidos: aquele que se reconhece agraciado pelos dons de Deus, coloca-os ao serviço da comunhão, oferecendo-os, e manifesta a sua gratidão, bendizendo a Deus.

Por outro lado, a releitura sucessiva da figura de Melquisedec – quer no Salmo 110 quer na Carta aos Hebreus – aponta para a novidade do mistério de Cristo, único e eterno sacerdote. De facto, se, no Antigo Testamento, o sacerdócio era segundo a ordem de Levi – o patriarca cuja descendência era detentora exclusiva do ofício sacerdotal –, em Jesus, inaugura-se um novo sacerdócio, segundo a ordem de Melquisedec (Sl 110,4), no qual participam todos os batizados. Neste sentido, a leitura cristã das Escrituras judaicas encontra nas referências a Melquisedec a possibilidade de repensar o sacerdócio, à luz do mistério de Cristo, que já não oferece em sacrifício a carne e o sangue de animais, mas oferece-Se a Si mesmo, fazendo da oferta da própria vida o sinal distintivo do novo múnus sacerdotal, do qual participamos pelo batismo.

Um elemento tradicional da espiritualidade eucarística aponta de modo particular para o exercício do sacerdócio comum dos batizados, traduzido de modo muito claro no convite do presbítero à assembleia, durante a apresentação dos dons: orai, irmãos, para que as nossas alegrias e tristezas de cada dia, unidas ao sacrifício de Cristo, sejam aceites por Deus Pai todo-poderoso. Assim, cada um dos batizados reunidos em assembleia para celebrar a Eucaristia é convidado a oferecer a sua própria vida – as orações, os trabalhos, as alegrias e os sofrimentos de cada dia – unida ao pão e ao vinho apresentados sobre o altar.

Apresentando pão e vinho, os mesmos dons oferecidos por Melquisedec, para que, pelo Espírito Santo, se convertam em corpo e sangue de Cristo, a Igreja oferece-se a si mesma e convida cada um dos batizados a exercer o seu sacerdócio comum, oferecendo em ação de graças todos os dons recebidos de Deus. Neste sentido, a Oração Eucarística I – referindo-se à oblação de Melquisedec – exprime a súplica da Igreja, para que sejam agradáveis a Deus os dons generosamente oferecidos pelo seu povo: Olhai com benevolência e agrado para esta oferenda e dignai-Vos aceitá-la, como aceitastes os dons do justo Abel, vosso servo, o sacrifício de Abraão, nosso pai na fé, e a oblação pura e santa do sumo sacerdote Melquisedec.

 

4.       Iluminação da vida pela Palavra

A rápida secularização da realidade em que estamos inseridos, unida a uma conceção clericalista que atribui exclusivamente aos ministros ordenados o poder de abençoar, trouxe consigo uma desvalorização progressiva da bênção como sinal de gratidão e expressão de louvor. Mesmo correndo o risco de confundir bênção e superstição, o antigo costume de filhos e netos pedirem a bênção a pais e avós, bem como o hábito de abençoar os alimentos e outros elementos da vida quotidiana, através de preces e súplicas que passavam de geração em geração, eram expressões da relação umbilical entre o ser humano e o seu Criador. Além disso, eram uma forma de viver e exercer o sacerdócio comum dos batizados, na medida em que cada fiel leigo pode – através da bênção – ser sinal e instrumento da presença e ação de Deus no mundo.

– Apesar do acentuado eclipse de referências cristãs no nosso mundo, somos capazes de ser bênção nas realidades onde estamos inseridos? Como podemos aprender e ensinar a bendizer com gratidão e a abençoar generosamente com os dons que recebemos?

Por outro lado, neste ano em que o plano pastoral da nossa Arquidiocese nos convida a revelar juntos um novo rosto de comunidade, unidos à volta mesa da Palavra e da Eucaristia, a redescoberta dos gestos e orações litúrgicas com que celebramos a fé oferece-nos a possibilidade de aprofundar a nossa identidade batismal. Os textos que lemos e meditámos apontam, pois, para uma espiritualidade centrada na oferta da própria vida, unida à entrega pascal de Cristo, na Eucaristia, como um modo de exercer o nosso sacerdócio batismal.

Se a Eucaristia faz a Igreja, o mesmo movimento de oferta e dádiva dos dons recebidos, no contexto da grande ação de graças que a comunidade dirige ao Pai, e que, por sua vez, se tornam bênção para a mesma comunidade, deve realizar-se na vida dos crentes. Os dons que gratuitamente recebemos de Deus devem ser oferecidos em favor da comunidade, quer na gratidão orante do louvor quer nos gestos generosos de bênção e serviço. O rito da apresentação dos dons, na Eucaristia, com os seus gestos e preces, ensina-nos a unir a vida de cada dia – com a oração e o serviço, o trabalho e o descanso, as alegrias e angústias – à oferta eucarística de Cristo, para que tudo o que rezamos, fazemos e vivemos se torne, n’Ele, bênção em favor de todos.

– Compreendemos, como batizados o dom e a tarefa que nos são confiados de participar no sacerdócio de Cristo? Como podemos valorizar a espiritualidade da oferta da própria vida, quer no contexto da oração pessoal e comunitária, quer no serviço que exercemos em favor da nossa comunidade? De que modo, os gestos e as palavras com que celebramos a fé na Eucaristia – e, particularmente, a apresentação dos dons – podem ser vividos de modo a manifestar sacramentalmente o nosso sacerdócio batismal, pelo qual oferecemos a vida como Jesus e com Ele?

 

5.       Oração 

Nós Vos bendizemos e damos graças, Senhor, que muitas vezes e de muitos modos, falastes outrora aos nossos pais pelos Profetas e na plenitude dos tempos nos falastes pelo vosso Filho, para manifestar a todos, por meio d’Ele, as riquezas da vossa graça. Humildemente imploramos da vossa bondade que, tendo-nos reunido para estudar as Escrituras, alcancemos o conhecimento perfeito da vossa vontade, para que, fazendo sempre o que é do vosso agrado, dêmos frutos abundantes em toda a espécie de boas obras. Por Cristo, nosso Senhor.

1.       Oração

 

Senhor, estamos reunidos porque marcámos este encontro e já o fazemos com uma certa regularidade no dia e na hora que é mais favorável. É sempre bom poder encontrar-nos e conviver tendo como motivação principal a leitura e a meditação da tua Palavra. É ela que nos faz recordar a história do povo bíblico que é também a nossa história. Os grandes acontecimentos libertadores não se podem celebrar sozinhos nem de qualquer maneira. O modo como se faz, os elementos que se usam na celebração, os sinais que se realizam, as pessoas que tomam parte, tudo isto é importante para nos integrar na partilha da mesma fé.

Vamos hoje centrar-nos na leitura da celebração da Páscoa, a festa mais importante do povo de Israel e que é sinal da Páscoa cristã que, todos os domingos, celebramos na Eucaristia. Escutemos.

 

 

2.       Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Êxodo 12, 1-14

 

O texto descreve a celebração da Páscoa judaica indicando um conjunto de regras que devem ser cumpridas para que a recordação do acontecimento ao longo das diferentes épocas da história de Israel seja compreendida por todas as gerações.

O povo encontra-se no Egito. A situação é muito difícil porque está sob o domínio do faraó e é obrigado a realizar um conjunto de tarefas ao serviço dos egípcios que o impedem de ser livre naquela terra estrangeira. A presença naquele território estava a tornar-se insuportável (Ex 1). Deus ouviu o clamor do seu povo e decidiu libertá-lo (Ex 3,7-8) através de Moisés, o escolhido para tirar o povo do poder do Egito e o conduzir para a terra da promessa

O Deus de Israel, entretanto, realiza sinais para confrontar o seu poder com o do faraó e assim demonstrar que o faraó tem, de facto, muito poder mas, não se compara com o que Deus realiza. O relato das pragas que aconteceram no território do Egito (Ex 7-11) pretende mostrar que Deus tem mais poder que o faraó mesmo que este se recuse a reconhecê-Lo. Sucessivamente, Deus manda sinais a que o faraó resiste endurecendo o seu coração. Chega-se assim ao anúncio da décima praga: a morte de todos os primogénitos do Egito (Ex 11).

A realização deste último sinal fica em suspenso porque o acontecimento da saída tem que ser celebrado de acordo com as instruções que Moisés e Aarão receberam de Deus e comunicam ao povo. Foi anunciada a morte de todos os primogénitos no Egito mas os primogénitos do Hebreus serão poupados pelo sangue do cordeiro que será colocado nas ombreiras e no dintel das portas das casas das famílias dos Hebreus.

 

2.1.   O ritual da Ceia

 

Tudo se passa ainda na terra do Egito. Por ordem de Deus, Moisés dirige-se a toda a comunidade dos filhos de Israel e diz-lhe que aquele mês será para todos eles o primeiro dos meses. No dia 10, cada família tomará um cordeiro para a sua casa a fim de ser sacrificado no dia 14. Se a família for pequena para depois comer a carne do animal, deverá juntar-se aos vizinhos calculando o número de pessoas para o consumir.

O animal, cordeiro ou cabrito, deve ser sem defeito, macho, e de um ano de idade. Fica guardado até ao dia 14 e será morto ao entardecer desse dia. O sangue do animal imolado será derramado sobre as ombreiras e o dintel das casas onde se toma a refeição e servirá de sinal para não serem exterminados os primogénitos dos que celebram aquela refeição.

Deve ser totalmente assado no fogo e ser comido numa atitude de pressa e de temor, com pães sem fermento e ervas amargas, mostrando todos prontidão para partir de imediato. Não se pode deixar nada para o dia seguinte: o que sobrar será queimado no fogo. Todos os que participam na refeição devem ter os rins cingidos, as sandálias nos pés e o cajado na mão porque há pressa em sair naquela noite. Precisamente nessa noite o Egito é ferido com a morte dos primogénitos.

O v.14 vem dizer que aquela primeira Páscoa deverá ser celebrada ao longo das gerações como lei perpétua. Acrescenta-se ainda nos versículos seguintes (15-20) tudo o que se refere à festa dos ázimos, do pão sem fermento, que acompanha a recordação do grande acontecimento da saída do Egito. É evidente que, na saída do Egito, o povo não teve tempo para guardar a festa do pão ázimo tal como posteriormente foi celebrada, durante sete dias. Este texto que descreve todo o ritual da ceia pascal é posterior e reflete o modo como Israel celebrou a Páscoa ao longo dos tempos. Por todas as gerações se deve recordar o que o Senhor fez com os filhos de Israel quando os tirou da terra do Egito: “quando os vossos filhos vos disserem: ‘o que é este serviço cultual para vós?’ Vós direis: ‘é o sacrifício da Páscoa em honra do Senhor, que passou ao largo das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu o Egito e salvou as nossas casas’” (Ex 12,26-27). Esta resposta não é apenas uma informação; é, sobretudo, a confissão da participação continuada de todo o povo de Israel no acto decisivo da libertação do Egito. “Cada um deve considerar-se como tendo saído do Egito”.

 

2.2.   A Páscoa judaica

 

No centro da Páscoa judaica está o memorial da libertação do Egito que, independentemente do seu valor num determinado momento da história, marcou profundamente o povo bíblico considerando-se que Israel ganhou a sua consciência como povo a partir da saída do Egito. O testemunho desta importância está na sua recordação e celebração. A Páscoa é, de facto, a principal festa dos judeus.

O que ficou mais enraizado foi o modo como se celebrou o acontecimento: na noite de 14 para 15 de Nisan, o primeiro mês do ano; um cordeiro cujo sangue serviu de sinal para poupar os primogénitos das famílias dos filhos de Israel; os pães ázimos, sem fermento, comidos à pressa com as ervas amargas, para poder sair imediatamente; o êxodo, essa saída memorável, que orienta o povo para a liberdade e a terra prometida; a reunião da família, todos os anos, para significar que se faz parte deste povo independentemente do período da história em que cada um se encontra. 

3.       Meditação da Palavra

 

 Nós, os cristãos, olhamos para a ceia pascal judaica reconhecendo a sua importância na história mas, ao mesmo tempo, confessamos a nossa fé em Jesus Cristo, em quem culminaram todas as profecias do Antigo Testamento. Já não celebramos apenas a saída do Egito. Ainda que todos os anos, pela Páscoa, recordemos sempre as gestas de Deus na história do povo escolhido, e nos textos do Antigo Testamento o Êxodo aparece como o grande acontecimento libertador, os cristãos não recordam só esse momento mas entendem que ele é um sinal, dentro da história da salvação, do antigo e do novo, da morte e da vida, do passado e do futuro.

O Êxodo é, para a Igreja, o anúncio da esperança, de uma libertação maior, que não fica reduzida a uma simples recordação do que Deus fez um dia aos filhos de Israel no Egito. Aquilo que Israel lembra como substância da sua liberdade é, para a comunidade cristã, o anúncio da esperança de uma libertação maior: aquela que Cristo realizou com a sua morte e ressurreição no seu mistério pascal.

A salvação de Deus não é simplesmente uma libertação política de um tirano do Egito, mas é a luta contra o pecado e a vitória sobre o mal; é a transformação da vida na liberdade oferecida por Cristo com a sua ressurreição.

O cordeiro imolado, elemento principal da ceia pascal judaica, converte-se no símbolo do preço que Deus paga pela redenção da humanidade: o cordeiro é figura de Cristo, daquele que é levado ao matadouro sem abrir a boca (Is 53,7) e cuja morte tira os pecados do mundo. A Eucaristia que a Igreja celebra atualiza esta entrega de Cristo e torna presente, na história, a libertação que Jesus realizou quando se entregou à morte por todos nós.

Apesar da ceia pascal judaica ter sido superada pela celebração do mistério pascal de Cristo, a Igreja recolhe a importância da celebração que faz memória dos acontecimentos narrados tanto no Antigo como no Novo Testamento. O ritual da Páscoa judaica sublinha o carácter comunitário da intervenção de Deus. A celebração da Páscoa, tanto dos judeus como dos cristãos, faz memória do passado e aponta para um futuro. Para os cristãos, este futuro realiza-se na vinda definitiva de Cristo, quando se passar deste mundo de peregrinos para o reino eterno com Cristo. 

 

4.       Iluminação da vida pela Palavra

 

A vida do povo de Israel é marcada por aquilo que celebra. A recordação dos acontecimentos, os tempos e os lugares são importantes para sustentar a sua vida, principalmente nos momentos difíceis da sua história. Reconhecer que Deus fez sair do Egito e continua a libertar da escravidão dá alento ao povo e convida a olhar para o futuro com esperança. O que é que nós celebramos a nível religioso? Que datas é que respeitamos e que implicações isso tem na nossa vida?

 Um dos elementos principais da celebração da Ceia Pascal Judaica é o seu carácter familiar. Ninguém celebra sozinho. E, se a família for pequena, junta-se aos vizinhos mais próximos para comer o cordeiro da Páscoa. O critério é o que cada um poderá comer para evitar as sobras. E nós? Quando participamos numa celebração apreciamos a companhia dos outros e o convívio, ou preferimos encostar-nos a um canto da Igreja para que ninguém nos incomode?

Como é que reagimos à linguagem sacrificial do cordeiro e ao significado do sangue? Será que também ficamos indiferentes quando nos referimos ao sangue de Cristo?

O texto do Êxodo dá particular realce ao facto de os comensais participarem na refeição da Ceia Pascal “com os rins cingidos, as sandálias nos pés e o cajado na mão”. O Senhor salva mas ninguém pode ficar parado a olhar para o que pode acontecer; é preciso dar resposta e caminhar.

Um último aspeto que convém sublinhar: a continuidade da celebração. Não basta recordar uma ou outra vez na vida: é preciso ter sempre presente a grande libertação realizada por Deus e considerar-se comprometido com ela, enquanto membro do povo cujos antepassados fizeram esta experiência em tempos remotos.

 

 

5.       Oração

 

A terminar o nosso encontro vamos louvar o Senhor com as palavras do Sl 136, 10-15:

Feriu os primogénitos do Egito,

Porque o seu amor é eterno!

Fez sair Israel do meio deles,

Porque o seu amor é eterno!

Com a sua mão forte e o seu braço estendido,

Porque o seu amor é terno!

Dividiu a meio o Mar dos Juncos,

Porque o seu amor é eterno!

Fez passar Israel através dele,

Porque o seu amor é eterno!

Afundou o faraó e o seu exército,

Porque o seu amor é eterno!

  1. Oração

 

Como o povo da antiga aliança, vejo hoje muitos homens perdidos no deserto da vida, angustiados perante as circunstâncias, desanimados perante o futuro, incertos nos seus corações, incapazes de responder a qualquer desafio. A palavra que escutamos em cada uma das nossas reuniões coloca-nos diante de ti, Senhor, como ao povo no sopé da montanha à espera de Moisés. Queremos escutar todas as tuas palavras para respondermos com alegria ao teu desafio para nós.

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Êxodo 24,3-18

 

O texto que acaba de ser lido narra a saída do Egito, com a ceia judaica que refletimos no último encontro e a travessia do deserto em direção à terra prometida.

A meio do caminho, entre o Egito e a terra da promessa, realiza-se a Aliança no Monte Sinai. Envolvida em muitos pormenores relatados em várias partes do livro do Êxodo e do livro do Deuteronómio, a Aliança entre Deus e o seu povo, mediada por Moisés, tem nas palavras que escutámos um dos momentos centrais desta aliança. Trata-se do momento em que Moisés transmite ao povo “todas” as palavras do Senhor e o povo aceita cumprir a sua parte da Aliança.

Vejamos por partes, começando pelos dois versículos que estão antes (v.1 e 2). Primeiro Moisés é chamado por Deus para o cimo do monte, “sobe ao encontro do Senhor”, disse Deus a Moisés (v.1). Juntamente com Moisés sobem Aarão, os seus dois filhos Nadab e Abiú e mais setenta anciãos. Os anciãos são representantes do povo e, de acordo com o texto (v.2), não se aproximaram do Senhor, ficaram à distância. Só Moisés se pode aproximar de Deus.

O texto não refere o que Deus terá dito a Moisés (seriam os dez mandamentos?), mas diz que Moisés (v.3) veio e “relatou todas as palavras” e “todas as normas” ao povo. Ao escutar as palavras transmitidas por Moisés, “todo o povo”, “numa só voz”, responde: “Poremos em prática todas as palavras que o Senhor pronunciou”.

A partir daqui o texto coloca Moisés como o principal ator, dizendo que ele “escreveu todas as palavras do Senhor” e que ele mesmo, “construiu um altar” e levantou doze estelas, (placas comemorativas) uma por cada tribo de Israel.

São os jovens, por mandato de Moisés, quem oferece sacrifícios e holocaustos ao Senhor, em sinal de comunhão. Do sangue dos animais sacrificados, Moisés retira uma parte para consagrar o altar que será a representação de Deus e depois lê, do livro da Aliança, as condições apresentadas pelo Senhor para firmar a Aliança com o seu povo. Solenemente o povo reafirma a sua decisão de cumprir todas as palavras ditas pelo Senhor: “tudo o que o Senhor disse, nós o faremos e obedeceremos”.

Após o compromisso verbal vem a consagração pela aspersão do sangue. Moisés asperge todo o povo dizendo: “eis o sangue da aliança que o Senhor concluiu convosco, mediante todas estas palavras”. Desta forma se estabeleceu a aliança entre Deus e o seu povo, firmada no sangue de novilhos.

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

No texto proposto para reflexão e que acabamos de analisar nos pormenores que o constroem, percebemos o desafio de Deus a um povo que não é povo. Um povo destruído depois de quatrocentos anos de escravatura no Egito. Um povo que é descendente de Abraão, Isaac e Jacob, mas perdeu a liberdade. Um povo que se formou a partir dos doze filhos de Jacob a quem Deus mudou o nome para Israel, mas já não se reconhece como povo. Doze tribos dispersas constituídas por homens e mulheres desanimados, perdidos no deserto. Um povo com fome e sede. Um povo sem futuro.

Este povo, que não é povo, salvo por Deus do Egito, “com mão forte e braço poderoso” através de Moisés, é desafiado a tornar-se povo de Deus: “se escutardes a minha voz e guardardes a minha aliança (…), sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Êx 19,5-6).

O desafio apresenta uma condição. Farei de ti um povo, o meu povo, se tu “escutares a minha voz”. A este desafio, o povo, depois de escutar as palavras do Senhor transmitidas e escritas por Moisés, responde afirmativamente por duas vezes “poremos em prática todas as palavras que o Senhor pronunciou”. E Deus cumpre a sua parte da aliança e faz deste povo o seu povo. Pertença de Deus, este povo, agora é um povo santo, um povo sacerdotal. Por isso vemos toda uma assembleia reunida em volta do altar levantado por Moisés. Primeiro vêm os jovens e sacrificam os novilhos, depois vêm os anciãos e com eles todo o povo se reúne diante do altar. Todos são aspergidos pelo sangue do sacrifício sinal com o qual se firma a aliança com Deus.

Derramado sobre o altar e sobre o povo, o sangue une Deus com os homens na mesma fonte de vida comprometida e fiel. Deus fiel à palavra que sai da sua boca e edifica e o povo que diz “sim” num compromisso com Deus.

Depois de tirar o seu povo do Egito, Deus espera o momento certo para fazer subir até ele os que estão caídos dentro de si, num desânimo maior do que eles, incapazes de se compreenderem a si mesmos, a vida, o presente e o futuro. Incapazes de acreditar que Deus é Deus e pode compromete-los.

É ali, no Sinai, que Deus encontra o momento oportuno para fazer ressoar a sua palavra e aguardar a palavra dos homens. Deus diz “faça-se” e o homem diz sim. É a primeira palavra que revela um Deus que não impõe mas quer estar com o homem num compromisso que os implica mutuamente na liberdade. Trata-se de uma aliança de amor e não de uma imposição de poder. Por isso é necessária a resposta viva e livre do homem, “obedeceremos”.

Selada no sangue de novilhos a palavra de Deus é eficaz ainda que a palavra dos homens seja incapaz. Sabemos que o povo não demorou muito a mostrar a sua fragilidade e a romper a aliança feita com Deus. Um bezerro de ouro vem ocupar o lugar de Deus na aliança do deserto. O medo, a incerteza, a insegurança, diante da vida fazem desacreditar do poder salvador de Deus. Incapaz, o homem, julga incapaz a Deus por pensar Deus à sua medida.

Mas Deus permanece fiel, revelando que tudo é de graça.

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Pelo batismo fomos consagrados a Deus e constituídos membros do seu povo. Também este povo que nasce do batismo é povo santo e povo sacerdotal. Não já pela consagração do sangue de novilhos, mas pelo sangue de Cristo. Nele somos lavados, purificados para nos tornarmos sacerdotes do Deus altíssimo, oferecendo sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus.

O sangue de Cristo, livremente derramado pela salvação dos homens é hoje o sinal da nova aliança. Esgotada a aliança do Sinai, Jesus irrompe na história da humanidade para revelar a plenitude do amor de Deus, a sua graça infinita e a força do seu Espírito que se derrama em nossos corações.

Hoje, em Cristo, Deus continua a falar e a solicitar uma resposta que nos transforma em povo. De homens que vivem para si mesmos, pela sua palavra, na aliança do sangue de Cristo derramado na cruz, Deus quer constituir-nos como seu povo. A ele pertencemos.

Hoje, connosco, consagrados como seu povo no batismo onde dissemos “sim”, Deus faz aliança no sangue de Cristo sempre que reunidos à volta do altar celebramos o mistério da Eucaristia.

 

Compreendo que a palavra do Senhor é o princípio da graça que me faz filho de Deus?

Sou capaz de me comprometer com Deus dizendo “farei tudo o que o Senhor disser”?

Vejo o meu batismo como o momento em que me tornei filho e membro do povo que pertence a Deus?

Na Eucaristia encontro o meu compromisso de vida com Cristo que derramou o seu sangue por mim?

  1. Oração

 

Senhor, o sangue dos novilhos não tinha o poder de salvar o teu povo da infidelidade e, por isso, era constante a violação da aliança. Seguiam por caminhos de idolatria, adorando bezerros de ouro em vez de corresponder ao teu amor. Hoje, vemo-nos muitas vezes tentados a seguir pelos critérios de um mundo sem Deus, sem amor, sem afeto, sem sentido e sem rumo. Acreditamos que nos transformaste, pelo batismo, em filhos muito amados. Acreditamos que o nosso batismo foi um banho no sangue de Cristo derramado na cruz. Precisamos de um compromisso sério para as nossas vidas. Um compromisso com Cristo no seu sangue. Um compromisso com Cristo na Eucaristia.

  1. Oração

 

Senhor, Tu que nos amas mais que as aves do céu e que os lírios do campo, sê o nosso alimento nos desertos da nossa vida, despertai em nós o desejo de santidade e não permitais que nos afastemos de vós, para que comendo-Te, vivamos de Ti, caminhemos para Ti, cheguemos a Ti e descansemos em Ti.

Pai Nosso…

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Êxodo 16,1-21

 

O texto que escutámos desenvolve-se no deserto de Sin, a região situada entre Elim e o Monte Sinai e apresenta mais uma das murmurações do povo, cujo duplicado se pode encontrar em Nm 11,4-34.

Se antes tinham murmurado por causa da falta de água, agora, murmuram pela falta de comida, dizendo que sentem saudades dos manjares que, utopicamente, tinham comido no Egito. Dizem que ali tinham carne e pão em abundância. Diante das queixas do povo – a murmuração, no deserto, é uma constante –, o Senhor promete ajuda. O maná e as codornizes servirão de alimento para o povo. Ambos são fenómenos correntes na península do Sinai. O maná é uma secreção doce produzida pela planta de tamarisco ao ser picada por duas espécies de insetos da região. Esta substância escorre desde as folhas da planta até ao solo, onde se solidifica no contacto com o ar fresco da noite do deserto. Deve recolher-se antes que o sol a derreta. Os beduínos, que habitam a região, consideram este maná doce uma guloseima. As codornizes voam anualmente para o Sul, nos meses de setembro e outubro, procedentes do Norte da Europa e da Escandinávia. Em maio e junho, empreendem a viagem de regresso. Os seus largos voos sobre a água, obrigam-nas a aterrar exaustas na Península do Sinai, onde se torna relativamente fácil capturá-las.

O maná só podia ser recolhido um pouco mais de um quilo por pessoa e por dia. Aos sábados, e com vista ao descanso do dia santo, podia-se recolher o dobro. Deviam guardar numa urna especial uma quantidade de maná para recordar às gerações sucessivas o especial cuidado de Deus pelo seu povo (cf. Ex 16,32-34).

Apesar da rebelião contra o Senhor, ao pedir-Lhe provas, quando já lhes tinha dado tantas, e apesar de blasfémia, porque acusam de traidor o Deus que os salvou, a mensagem é, sobretudo, de esperança. Os líderes, Moisés e Aarão, asseguram que o Senhor os alimentará e que verão a sua glória, para que acreditem. Todo o episódio é marcado pela presença da “glória” do Senhor. Estes dons divinos, o pão e a carne, são sinais que, comos as pragas, devem conduzir à fé. Através deles se contempla a glória do Senhor e a sua proteção para com o seu povo.

  1. Meditação da Palavra

 

O Papa Bento XVI, na Exortação Apostólica, Sacramentum Caritatis, diz que, na Eucaristia, Jesus não dá «alguma coisa», mas dá-Se a Si mesmo; entrega o seu corpo e derrama o seu sangue. Deste modo, dá a totalidade da sua própria vida, manifestando a fonte originária deste amor: Ele é o Filho eterno que o Pai entregou por nós (cf. SC 7).

O maná, no deserto, é já símbolo de um alimento maior, de um amor maior, de uma entrega maior, de um pão de vida eterna.

Vamos, de seguida, meditar na Palavra que acabámos de escutar.

1) Partiram de Elim e toda a comunidade dos filhos de Israel chegou ao deserto de Sin, (…), após a sua saída da terra do Egito. (v.1) A nossa fé não é estática, mas extática… vivemos em saída, em êxodo. Deus faz sair o povo do Egito e liberta-o de tudo o que o oprimia. Também nós somos convidados a viver em saída. A sairmos de tudo o que nos oprime e escraviza. Qual é o êxodo que Deus te pede para iniciares? Uma amizade tóxica, um pensamento?!

Chegam ao deserto! O deserto é o local do grande silêncio. Lugar do distanciamento de tudo o que é ruído, de tudo o que é barulho que nos rodeia. Daí ser um lugar de recolhimento, de purificação e de uma verdadeira intimidade, onde reconheço o que me é essencial: o amor do Senhor e a sua missão para mim. O deserto recorda-nos a importância de renunciar a palavras inúteis, para escutarmos a voz do bem, a Palavra de Deus. Só à luz da Palavra de Deus se tornam claras todas as inclinações do coração e caem as duplicidades da alma

2) Toda a comunidade dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e Aarão. Os filhos de Israel disseram-lhes: «Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor na terra do Egito, quando estávamos descansados junto da panela de carne, quando comíamos com fartura! (vv. 2-3) Num momento de cansaço, de desolação, o povo esquece todas as maravilhas que Deus fez em seu favor e começam, a uma só voz, a murmurar. Murmurar, expressão da sua incredulidade, não consiste, apenas, em negar a existência de Deus, mas em não reconhecer os sinais e os testemunhos da Palavra divina, em não lhe obedecer. Temos por hábito murmurar? Em que situações?

Todavia, não eram maus, mas havia o cansaço da viagem, a fome que se fazia sentir e uma viagem, cujo fim não se via. Isto não é uma ilusão. Também nos pode acontecer dizer: basta! Não quero mais isto! Vou voltar para trás, para a vida que tinha antes. O que o povo, rapidamente, esqueceu é que comiam aquela carne e aquele pão à mesa da escravidão. Naqueles momentos de tentação, eles recuperavam a memória, mas uma memória doentia. Uma memória escrava, não livre. A tentação começa aí, quando começas a ver aquilo que deixaste e que parecia tudo tão fácil. E, num instante, o teu coração cansado, deprimido, é, também, envenenado.

3) O Senhor disse a Moisés: «Eis que vou fazer chover do céu pão para vós. O povo sairá e recolherá em cada dia a porção de um dia. (v.4) Diante das murmurações do povo, como reage o Senhor? Com compaixão, com misericórdia: faz chover do céu pão para o povo. Tinha todos os motivos para castigar, para repreender, mas decide amar, decide dar vida. É assim com quem ama, com quem é amor. Decide ser e trazer mais vida na vida do povo. Dar vida e dar a vida é vivê-la tal como ela é na sua essência: generosa. Cuidar da existência do outro com a sua vida. Sou generoso? Como reajo diante das injustiças? Trago mais vida à vida dos outros?

4) Moisés disse a Aarão: «Diz a toda a comunidade dos filhos de Israel: Aproximai-vos do Senhor, porque Ele ouviu as vossas murmurações. (v.9)

É este o segredo: aproximai-vos do Senhor. No deserto, aproxima-te do Senhor e não te afastes dele. O povo, pela murmuração, virou as costas e o coração ao Senhor. Mas, sem Ele, não têm nada e caminham sem rumo. Tens por hábito aproximares-te do Senhor? Como o fazes? A oração, a confissão, a eucaristia, a prática de boas obras são formas de nos aproximarmos do Senhor.

5) Enquanto Aarão falava a toda a comunidade dos filhos de Israel, eles voltaram-se para o deserto, e eis que a glória do Senhor apareceu na nuvem. (v.10) Ao voltarem-se para o deserto viram a glória do Senhor. Perceberam que Deus nunca os tinha abandonado, escutou todos os seus lamentos e sabia de todas as dificuldades. Sob uma nuvem, o povo percebeu, mais uma vez, que não estavam sós. Deus é um Deus connosco.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

No deserto, o povo vê, apenas, as dificuldades e, desta forma, a desolação ganha um peso enorme, incapaz de se suportar. Não conseguem ver a presença de Deus ao longo de todo o processo. As maravilhas que Deus foi realizando foram totalmente esquecidas. Tudo depende da maneira de ver as coisas, do fazer memória, sabendo que Deus nunca abandona o seu povo. O grande desafio é voltar sempre ao essencial, à experiência da dependência de Deus, sobretudo quando a vida estava nas Suas mãos, para que se possa compreender que nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Diante disto, cada um de nós pode interrogar-se: qual é a minha memória? A do Senhor que me salva, ou a do alho e das cebolas da escravidão? Com que memória sacio a minha alma? O Senhor diz a Moisés: «Eis que vou fazer chover do céu pão para vós» (16,4). Recuperemos a memória! Eis a tarefa, recuperar a memória. E aprendamos a reconhecer o pão falso que ilude e corrompe, porque é fruto do egoísmo, da autossuficiência e do pecado.

Além da fome física, o homem sente outro tipo de fome, uma fome que não pode ser saciada com o alimento comum. Trata-se da fome de vida, fome de amor, fome de eternidade. E o sinal do maná – como toda a experiência do êxodo – continha em si também esta dimensão: era figura de um alimento que satisfaz esta fome profunda que o homem sente. Jesus concede-nos este alimento, aliás, Ele mesmo é o pão vivo que dá vida ao mundo (cf. Jo 6, 51). O seu Corpo é o verdadeiro alimento, sob a espécie do pão; o seu Sangue é a verdadeira bebida, sob a espécie do vinho. Não se trata de um simples alimento com o qual saciar os nossos corpos, como no caso do maná; o Corpo de Cristo é o pão dos últimos tempos, capaz de dar vida, e vida eterna, porque a substância deste pão é o Amor.

Se olharmos ao nosso redor, damo-nos conta de que existem muitas ofertas de alimento que não derivam do Senhor e que aparentemente satisfazem em maior medida. Alguns nutrem-se de dinheiro, outros de sucesso e de vaidade, outros ainda de poder e de orgulho. Mas o único alimento que nos nutre verdadeiramente e que nos sacia é aquele que o Senhor nos concede! O alimento que o Senhor nos oferece é diferente dos demais, e talvez não nos pareça tão saboroso como determinadas comidas que o mundo nos oferece. Então, sonhamos outras refeições, outros alimentos como os hebreus no deserto. Hoje, cada um de nós pode perguntar-se: e eu? De que mesa me desejo alimentar? Da mesa do Senhor? Sonho em comer alimentos saborosos, mas na escravidão?

O maná é um alimento que Deus deu a Israel durante a caminhada pelo deserto. Não importa tanto definir a sua natureza, mas sim captar o seu valor simbólico. O maná é, para o povo, o meio de mostrar a sua obediência para com Deus e a sua confiança na sua palavra (cf. 16,16-30).

O verdadeiro pão “vindo do céu” não é o maná que deixava morrer, mas sim o próprio Jesus (cf. Jo 6,32s) que se recebe pela fé. Este pão é a sua carne dada “para a vida do mundo” (cf. Jo 6, 51-58).

Comungando do pão misterioso da refeição eucarística, o cristão responde a um sinal de Deus e atesta a sua fé na sua Palavra vinda do céu. Na Eucaristia comunica-se o amor do Senhor por nós: um amor tão grandioso que nos nutre com Ele mesmo; um Amor gratuito, sempre à disposição de cada pessoa faminta e necessitada de regenerar as próprias forças. Viver a experiência da fé significa deixar-se alimentar pelo Senhor e construir a própria existência não sobre os bens materiais, mas sobre a realidade que não perece; os dons de Deus, a sua Palavra e o seu Corpo.

 

 

  1. Oração

 

Senhor, Pai Santo, queremos dar-Te graças por nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Pão da vida, pois o seu Corpo, por nós imolado, é alimento que nos fortalece e o seu Sangue, por nós derramado, é bebida que nos purifica. Fazei, Senhor, que recebamos, em cada Eucaristia, a plenitude da caridade e da vida.

Pai nosso…

  1. Oração

 

Vinde Espírito Santo, luz e fortaleza das nossas vidas, e enchei o coração destes vossos fiéis com os vossos dons. Hoje somos interpelados com uma provocação: que todas as dificuldades com que nos deparamos na vida são um meio que nos ajuda a crescermos na fé, crendo que Deus está na nossa origem com as suas leis e preceitos. Fazei-nos compreender, Senhor, que em tudo dependemos de Vós e que nunca seremos abandonados aos nossos caprichos. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo…

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Deuteronómio 8,2-20

 

   Antes de analisarmos e rezarmos o texto acabado de proclamar, saibamos que o livro do Deuteronómio, no seu todo, nos situa num espaço e num tempo bem explícitos: depois de quarenta anos de caminhada pelo deserto, os israelitas, sob o comando de Moisés, chegam às planícies de Moab, a leste do rio Jordão, frente a Jericó. Deste modo culmina a etapa começada com a saída do Egito e vai iniciar-se uma nova, que consiste em chegar ao outro lado do rio para tomar posse da terra que Deus prometera. Moisés reúne todo o Israel e entrega-lhe o seu “testamento espiritual”, evocando as experiências vividas em comum durante aqueles quarenta anos de prova e sacrifício, e instrui a comunidade sobre a forma de vida que deverá praticar para ser realmente o “povo de Deus”. Ao mesmo tempo adverte-o de que da fidelidade aos mandamentos e preceitos divinos dependerá a sua permanência no país que o Senhor lhes deu como herança.

Entremos, agora, no texto acabado de proclamar.

Enquadra-se num contexto histórico específico do Antigo Testamento, lembrando a saída do Egito e o percurso de quarenta anos pelo deserto, com todas as vicissitudes que lhe são inerentes. Neste texto é referido que Deus é o criador das leis e normas orientadoras do povo na sua caminhada de libertação, ou seja, os mandamentos e outros preceitos e, ao mesmo tempo, a exigência de que o povo os ponha em prática, sem esquecimento nem modificações.

Deus é aqui apresentado como Alguém que acompanhou o povo durante os quarenta anos de caminhada no deserto, o alimentou, o encaminhou e o municiou de leis e mandamentos. Mas o autor do texto explicita uma particular intenção: «foi para te humilhar, foi para te experimentar, para conhecer o teu coração e ver se guardarias ou não os seus mandamentos». Dito por outras palavras, «para te educar como um pai educa o seu filho». Duas vertentes: a humildade e a educação. Mas há outra afirmação no texto que não podemos esquecer: «O Senhor teu Deus vai introduzir-te numa terra ótima, terra de torrentes de água, de fontes e de nascentes profundas que jorram por vales e montes; terra de trigo, cevada, uvas, figos e romãs; terra de azeite e mel; onde comerás pão com segurança, onde nada te faltará. Comerás e ficarás saciado, agradecendo ao Senhor teu Deus pela terra ótima que te deu». Logo a seguir recorda: «Toma cuidado em não esquecer o Senhor, observando os seus mandamentos, preceitos e leis… não suceda que o teu coração se torne soberbo e te esqueças do Senhor». Tomar cuidado, estar atento, recordar, não esquecer – é sempre a preocupação em não se degradar a relação entre Deus e o povo.

Esta forma de se expressar realça o objetivo teológico da mensagem, de forma a que permaneça no ouvido dos judeus que irão ser introduzidos numa terra ótima onde comerão e ficarão saciados – desde que observem os seus mandamentos e agradeçam os benefícios do Senhor, sem nunca se tornarem soberbos nem seguirem os ídolos dos gentios. Mais: sem nunca confundirem os bens materiais (que levam ao orgulho) com os bens espirituais (que acarretam maiores dons de Deus).

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

O tema n.º 5 do Estudo deste ano pastoral – este que estamos a refletir – tem por título “Recordações do caminho: aprender com o passado”. É uma chamada de atenção para os valores históricos que compunham a nossa comunidade, a educação religiosa que os nossos familiares nos transmitiram e as vivências pessoais em que tudo isso se fundamentou. Talvez seja bom um pequeno esforço em pensar em que tal fundamento se alicerçou: e, de certeza, iremos encontrar as lições de catequese e os exemplos vividos pelos nossos antepassados. O ambiente religioso era uma realidade. Não estranhemos que no tempo de Moisés e nos séculos consecutivos aos quais o livro do Deuteronómio se refere a ideia seja a mesma: recordações do caminho. O passado é uma grande escola de vida. É tanto mais necessário recordar que a vida é uma caminhada difícil quanto mais se pretende anular, nos tempos atuais, tudo o que seja história! A insistência com que no texto bíblico é repetida a ideia de que o povo judeu deveria recordar a sua caminhada difícil pelo deserto e, consequentemente, aprender com o passado é o pano de fundo de toda a leitura que foi feita. Quer dizer: está em causa a virtude da fortaleza que deveria acompanhar o povo. Esta fortaleza implica esforço, sacrifício, renúncia. Faz lembrar o que Jesus, muito mais tarde, dirá quando chama verdadeiros discípulos aos que “renunciam aos seus bens e tendências”, “tomam a cruz todos os dias” e “O seguem”. Numa aplicação direta aos tempos atuais, utilizando o contraditório, damo-nos conta de que uma das nossas grandes deficiências é a fragilidade da vontade, o apego a tudo o que agrada e convém, a abstinência da renúncia, a colocação da própria cruz às costas dos outros e, em vez de O seguir, preferimos abstrair-nos d’Ele. É o mesmo que fugir ao “deserto” por onde Deus nos quer conduzir, é a oposição às suas leis e preceitos. Batemos o pé caprichosamente para que sejam outros a fazer o que queremos que aconteça. Preferimos viver sem constrangimentos nem dificuldades. Tudo isto é capricho, não é força de vontade. E muito menos é Fortaleza. Se fosse Fortaleza, saberíamos encarar os obstáculos de duas formas: ou como uma pedra de tropeço ou como um degrau de subida em ordem à perfeição. Encarada como pedra de tropeço, saberíamos ultrapassá-la; como degrau de subida, saberíamos que as dificuldades nos fariam crescer no autodomínio e na paciência.

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Neste momento, somos convidados a refletir sobre um elemento que nos ocupa demasiado: a preferência em não ligar aos mandamentos nem a qualquer norma que venha da boca de Deus. Preferimos viver à moda pagã. Inicialmente, o termo pagão designava aquele que morava no campo, longe da civilização e do progresso – em oposição a quem morava na cidade. É o que os franceses chamam, depreciativamente, paysan, campesino, aldeão – e a quem, no nosso trejeito velhaco, apelidamos de campónio, inculto, ignorante. No princípio, nada tinha de conotação religiosa. Só mais tarde, a partir do século IV, é que ganhou essa conotação. No tempo do Imperador Constantino, por terem terminado as perseguições aos cristãos e terem começado as catequeses e evangelizações no «campo», levadas a cabo pela pregação dos frades e dos monges, o termo pagão passou a ter a conotação pejorativa de não cristão, não batizado, gentio. E assim se conservou durante muitos séculos, até que, de há cem anos para cá, passou a designar os adeptos das religiões não monoteístas e também o mundo crescente dos sem religião em terras da velha cristandade. O termo pagão presumia e presume superstição e crenças em deuses e ídolos. É por isso que, na atual linguagem religiosa, há equivalência de significados quando se diz pagão, laico, agnóstico e ateu, abrangendo tanto os que se consideram sem religião, como os que perderam o sentido cristão da vida, como também os que se alhearam das práticas litúrgicas do catolicismo. Os últimos documentos oficiais da Igreja dizem que os pagãos ocupam o «átrio dos gentios», por viverem à margem da Igreja.

O mundo europeu contemporâneo está cheio de pagãos – os átrios dos gentios estão repletos. De entre as muitas razões para explicar este fenómeno, sobressaem as deficiências e os pecados sociais dos cristãos. Por isso, o paganismo está patente na cada vez mais generalizada atitude vivencial em que tudo acontece, tudo se delineia, tudo se projeta, como se Deus não existisse. Nega-se o valor da Sua intervenção na conduta humana, e vive-se habitualmente em função de um sistema de valores do qual Ele está ausente. Este paganismo é equivalente à “indiferença religiosa”, ao “católico não praticante”, ao gnosticismo científico e ao agnosticismo moral. E caracteriza-se como uma atitude pragmática, ideológica, cultural, permissiva, tolerante, presente na procura desesperada de sensações novas e na afirmação pessoal de liberdade individual. O curioso de tudo isto – estamos no século XXI! – é que continua a manifestar-se com cara “religiosa”, idolátrica, vivendo de crenças e de crendices. O homem atual não é inocentemente pagão. É provocantemente idólatra. Preocupado com a preservação dos “santuários naturais”, atraído pelas divindades anteriores à implantação do cristianismo, imiscuído nas doutrinas esotéricas antigas e atuais, enlouquecido com as novas divindades do futebol e das drogas, crendeiro em demasia, anda baralhado até ao âmago de si mesmo.

O atual paganismo é essencialmente laico. O laicismo está na moda e apresenta-se como uma doutrina que, unilateralmente, rejeita a influência da religião na esfera do Estado. Quem percorre algumas páginas da história europeia desde o século XVIII, logo se dá conta da força racionalista e do enciclopedismo ateu presente no ideário da Revolução Francesa (1789), tendo, no Romantismo e no Realismo as suas testas de ferro. Mas foi pela ação da maçonaria e pelo influxo das ideias comunistas que o laicismo teve o seu auge no fim do século XIX. Tornou-se iluminista e deu origem à Modernidade, na qual Deus é rejeitado como origem do poder e de qualquer lei. Também foi a era do capitalismo industrial e do crescimento económico ilimitado. O otimismo de que se orgulhava, face ao futuro, tinha por base a certeza absoluta de que o progresso das ciências, da tecnologia e da razão solucionariam todos os problemas humanos – porque o que fazia falta à humanidade era o progresso económico e político. Acontece que o castelo de cartas da Modernidade começou a ruir logo na primeira metade do século XX. O racionalismo tornou-se irracional. A industrialização criou armas e desembocou nas duas grandes guerras. Logo a seguir, o bloco das nações comunistas desenvolveu outro totalitarismo. A partir daí, explodiu a destruição ecológica da Terra e, atualmente, sofremos com o fundamentalismo terrorista da jihad islâmica.

E chegamos ao momento crucial da iluminação da vida pela Palavra.   Tentemos dar respostas pessoais às questões com que somos confrontados:

Em que se nota paganismo na nossa forma de viver?

Em que se nota laicismo na nossa forma de pensar e de reagir?

Quais as nossas principais reações ao cumprimento dos mandamentos?

 

 

  1. Oração

 

Senhor Deus, temos a sensação de que o ambiente ideológico que nos rodeia é muito atraente e possui demasiados motivos para nada querermos contigo. Os ídolos perturbam-nos a mente. Nós, pessoas de fé, queremos permanecer no cumprimento dos vossos mandamentos. Com a vossa graça e constante auxílio venceremos.

Pai nosso…

  1. Oração

 

Virgem Imaculada, eleita entre todas as mulheres para dar ao mundo o Salvador, o Verbo de Deus feito carne, dá-nos a capacidade de responder ao chamamento de Jesus e de o seguir no caminho da vida que nos conduz a Deus, nosso Pai. Ave Maria

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Marcos 6,34-44

 

 A leitura que acabamos de escutar é certamente uma das mais conhecidas. É o milagre mais importante de Jesus, narrado pelos quatro evangelistas . Este milagre tem um sabor eucarístico que antecipa o grande dom que Jesus fará de si mesmo na Cruz.

Marcos diz-nos que os doze regressaram da sua missão e contaram a Jesus tudo o que tinham feito e ensinado. Estão de volta, felizes pela confiança que Jesus depositou neles, mas exaustos de cansaço. Querem descansar, mas no meio daquela multidão que ia e vinha para ver Jesus e conversar com Ele, era impossível. Jesus, sempre atento, sugeriu que fossem para um lugar deserto para descansarem um pouco. E partem todos juntos, de barco, para um lugar sossegado e longe da multidão. Mas as pessoas não tiravam os olhos de Jesus. Vendo a direção que o barco estava tomando, muitos entenderam para onde Ele estava indo com os seus discípulos e, quando eles chegaram, em vez de encontrarem tranquilidade, paz, e silêncio deparam-se com uma multidão de pessoas que esperava Jesus. Quando viu aquela multidão imensa, esperando por Ele, Jesus sentiu uma grande compaixão “porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34). Jesus esquece-se da necessidade de descansar e começa a ensinar a multidão. Jesus não ficou indiferente às necessidades das pessoas e aceitou uma mudança de planos.

O tempo foi passando e começou a ficar tarde e escuro. Os discípulos estavam preocupados e, de forma subtil, sugerem a Jesus o que Ele deve fazer: mandar o povo embora para que possa ir às povoações vizinhas comprar alimento pois ali, no deserto, não havia nada. Mas a resposta que Jesus lhes dá é insólita: «Vós é que tendes que lhes dar de comer» (Mc 6, 37). Perplexos com a resposta de Jesus, contestam e parecem querer trazer Jesus à realidade e dizem-Lhe: «Nem duzentos denários (quase um ano de salário) seriam suficientes para comprar pão para tanta gente!». A esta resposta dos discípulos, Jesus não perguntou: “de quantos pães precisam vocês”, mas sim “quantos pães tendes”. E mandou-os ir ver. Verificaram que havia entre eles apenas cinco pães e dois peixes. Isto não é nada para alimentar tanta gente, pensaram os discípulos!

Jesus pede que a multidão se sente, em grupos para a refeição. E tomando os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e ia-os dando aos discípulos para que os distribuíssem. Todos comeram e ficaram satisfeitos. E ainda sobraram doze cestos com pão e também com peixe.

  1. Meditação da Palavra

 

Agora que já lemos e olhámos com mais atenção para os pormenores deste texto, cada um de nós deve interrogar o seu coração. Como entender este episódio da vida de Jesus e dos apóstolos? O que me quer dizer o Senhor? Vamos focar-nos nalguns aspetos do texto.

Os apóstolos regressam da missão que receberam de Jesus e voltam novamente ao “lugar” de onde partiram. Este lugar não é um espaço geográfico, mas uma Pessoa: Jesus. Eles contam a Jesus tudo o que fizeram e ensinaram. Eles sabem que o resultado da missão se deve, antes de mais, ao poder que Jesus lhes concedeu. «Jesus subiu a um monte e chamou a si aqueles que ele quis, os quais vieram para junto dele. Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que ficassem com ele e para os enviar a pregar, com autoridade…». (Mc 3, 13-15) A missão não é nossa e a sua eficácia não assenta nas nossas qualidades, capacidades pessoais ou nos meios de que dispomos, mas no dom que Deus nos concede.

Ir com Jesus para um lugar solitário não é apenas para recuperar do cansaço. Os discípulos precisam de configurar o seu estilo missionário ao de Jesus. O descanso dos apóstolos é Jesus. O autêntico anúncio do Evangelho brota desta relação de intimidade com Jesus, à semelhança da intimidade de Jesus com o Pai: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que me enviou e realizar a sua obra» (Mc 4, 34). Os Evangelhos mostram-nos que Jesus é um homem de oração. Jesus rezava e os seus discípulos pedem-Lhe que os ensine a rezar. (cf. Mc 1, 35; Lc 11, 1-3) Não obstante a urgência da missão e a pressão das multidões que reclama a sua presença, Jesus sente a necessidade de se afastar para lugares solitários para permanecer na intimidade com o Pai.

A missão dos discípulos não pode ser desligada de Jesus. Eles devem reunir-se à volta de Jesus, dialogar com Ele, escutar os seus ensinamentos, confrontar a sua identidade de apóstolos com a do Apóstolo Jesus. A pedagogia de Jesus em relação aos apóstolos assenta em dois movimentos indissociáveis: Jesus mergulha-os no meio das multidões, nas situações concretas das pessoas, mas regularmente, afasta-os do rebuliço da missão e convida-os a estar a sós com Ele. É em e com Jesus, escutando-O, dialogando com Ele, gozando da sua intimidade, que os apóstolos aprendem a configurar o seu coração e o seu agir ao coração e ao agir de Jesus.

Ao desembarcarem deparam-se com uma multidão que já esperava Jesus. Ao ver aquela multidão, Jesus não ficou indiferente. Sentiu compaixão e começou a ensiná-los porque “eram como ovelhas sem pastor”. Hoje, Jesus continua a olhar para as multidões do nosso tempo e continua a sentir compaixão porque também são como “ovelhas sem pastor”. Constatamos à nossa volta, e em nós próprios, uma enorme confusão e desorientação. Vivemos num mundo onde reina uma grande confusão sobre as escolhas fundamentais da vida, o que é o bem, o que é o mal, como devemos viver, quais são os valores. Jesus sente compaixão e oferece pastoreio às ovelhas desamparadas. Como? Com aquilo de que precisam: o anúncio da Boa Nova do Reino. Jesus continua hoje a ensinar-nos através do Evangelho. Jesus não começa alimentando, começa ensinando, revelando a Palavra de Deus. Ser formado na “escola de Jesus” é entrar na Sua “barca” para escutá-Lo, deixar que as Suas palavras penetrem o nosso coração e o nosso agir.

Quando a noite se começa a aproximar, os apóstolos dirigem-se a Jesus com um discurso muito realista. Realista, mas sem compromisso. Disseram a Jesus o que Ele devia fazer, mas não se questionaram sobre “o que eles podiam fazer”. Os discípulos revelam uma atitude de indiferença. Mas a resposta de Jesus mostra que a sua maneira de pensar não coincide com a dos apóstolos. Jesus fá-los responsáveis ao devolver-lhes a solicitude por todas aquelas pessoas: “vós é que tendes que lhes dar de comer”, ou seja, «cuidai vós deles». Jesus pede-lhes que se envolvam diretamente, o que implica passar de uma atitude de indiferença a uma atitude de serviço e compromisso.

Depois de mandar sentar as pessoas em grupo, “tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e ia-os dando aos discípulos, para que os distribuíssem pela multidão. Depois dividiu também, entre todos os dois peixes.” Estas palavras lembram-nos a Eucaristia. Foram estas as palavras que Jesus usou na Última Ceia com os apóstolos. Isto significa que a Eucaristia há-de levar-nos à partilha.

Jesus não pode permitir que alguns tenham o pão garantido enquanto outros passam fome. Pelo menos na lógica do Reino esta atitude não tem lugar. O verdadeiro milagre de Jesus é que os pães e os peixes se multiplicam, não por magia, mas pela conversão dos corações que se dispõem a partilhar: não dar do que nos sobra mas do que temos e do que somos. Hoje estas palavras de Jesus “dá-lhes vós de comer” continuam a fazer-se ouvir. E quanta fome existe hoje no mundo! Fome de pão, de paz, de saúde, de trabalho, do sentido da vida, de esperança, de fé, de consolo, de amor. O mundo tem “fome” de Deus.

        

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

De que forma este texto do Evangelho de São Marcos ilumina a nossa vida e o nosso coração? Que me quer dizer o Senhor?

A oração é muito importante para Jesus. É a sua forma de estar em comunhão com o Pai. Este relacionamento íntimo com o Pai é que sustentou, num momento de profunda tristeza, medo, angústia e tentação, a sua resposta ao Pai: «Abba! Pai! Tudo Te é possível! Afasta de mim este cálice! Contudo não se faça o que Eu quero, mas o que Tu queres». (Mc 14, 36). A fé permite ao Pai realizar, através de nós, a obra da graça que começou no seu Filho: «Quem crê em mim fará as obras que eu faço» (Jo 14,12). Por isso é tão importante cultivar esta relação de intimidade com Jesus. Caímos muitas vezes num ativismo desenfreado, que acabamos por perder o ponto de referência. Jesus é que dá sentido à missão do discípulo e permite ao discípulo, tantas vezes fatigado e desanimado, voltar a descobrir o sentido da missão e renovar as forças e o ardor pelo anúncio do Evangelho. A oração ajuda-nos a discernir a vontade do Senhor. A comunhão com o Senhor é a finalidade última da vida cristã, que só será plena e autêntica na medida em que tudo parte de Jesus e a Ele regressa.

Podemos questionar-nos: Na minha vida encontro espaço para a oração e para a leitura orante da Palavra de Deus? Deixo-me ensinar por Jesus? A quem anúncio? A mim, ou a Jesus? Se não confrontarmos, frequentemente, os nossos esquemas e projetos pastorais com Jesus e a sua Palavra, a missão que nos é confiada resultará num fracasso.

Marcos sublinha a forma como Jesus conduz os seus discípulos a uma atitude de acolhimento e partilha. Sinto que são também para mim estas palavras? Como e a quem sou chamado a dar de comer? Em cada situação devemos perguntar-nos: quais são os meus cinco pães e dois peixes? O que trago para que Deus possa agir na minha vida e na vida dos meus irmãos? Marcos diz-nos que “Jesus pegou nos cinco pães e nos dois peixes, ergueu os olhos para o céu, pronunciou a bênção, dividiu o pão e deu-o aos discípulos para o distribuírem”. Estas palavras de Jesus fazem-nos pensar na Eucaristia. Jesus usou estas mesmas palavras na Última Ceia com os apóstolos. Marcos sugere que a Eucaristia nos deve levar à partilha. A participação na Eucaristia tem implicações na nossa vida.

Como Jesus, que se entrega totalmente, nós cristãos devemos viver a nossa vida no serviço constante ao próximo, em especial aos mais pobres e abandonados. Não podemos separar o Cristo presente na Eucaristia e o Cristo presente nos irmãos. Participar na Eucaristia significa participar na lógica de Jesus, na lógica da gratuidade. E por mais pobres que sejamos, todos temos os nossos “cinco pães e dois peixes” para partilhar. Basta colocá-los nas mãos do Senhor e Ele se encarregará de os multiplicar. Enquanto nos alimenta de Cristo, a Eucaristia que celebramos também nos transforma gradualmente em corpo de Cristo e alimento espiritual para os irmãos.

 

 

  1. Oração

 

Senhor Jesus, na cena da multiplicação dos pães, vimos uma preparação para a Ceia Eucarística que celebraste com teus discípulos, antes da tua paixão e que celebras connosco todos os domingos. Tu és o pão da vida. Senhor, a ti mesmo te deste como alimento, que sacia a nossa fome. Concede-nos, Senhor, que aprendamos contigo a compaixão e a partilha como disposições necessárias para celebrar contigo o sacramento da Eucaristia. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

  1. Oração

 

Senhor Jesus, aqui nos reunimos de novo para meditar na Tua Palavra.

O tema que hoje vamos refletir impele-nos a mantermo-nos firmes na certeza de que estás sempre connosco e a deixarmo-nos verdadeiramente alimentar com o Teu Corpo e Sangue.

Concede-nos, pois, a graça de vivermos a comunhão de vida plena contigo e com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amen.

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

João 6,26-59

 

O texto que acabámos de escutar e extraído da parte mais longa do Capítulo 6 do Evangelho de S. João que, segundo a tradição, foi escrito na segunda metade do Século I, em Éfeso (atual Turquia), expressa o discurso de Jesus sobre o pão vivo, na sinagoga de Cafarnaum – uma cidade situada na margem ocidental do Lago de Tiberíades – e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da Sua atividade na Galileia.

O episódio que o texto nos apresenta situa-nos precisamente no dia seguinte ao milagre da multiplicação dos pães e dos peixes (Cf. Jo 6, 1-15). Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes e que ainda se encontrava no outro lado do Lago, apercebeu-se que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se até Ele.

Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes). É aos galileus, que estavam prontos a aclamá-lo como rei, mas também aos que murmuravam contra Ele, que Jesus convida a entenderem o verdadeiro e pleno sentido dos Seus atos.

  1. João não relata a instituição da Eucaristia como os outros evangelistas o fazem. A linguagem que usa expressa uma reflexão muito profunda sobre o verdadeiro sentido da mesma, facto que demonstra como o apóstolo é, sem dúvida, a grande testemunha da Eucaristia.

Este longo texto tem, na verdade, a marca das comunidades cristãs, da sua fé e modo de agir em profunda comunhão com Jesus Cristo, Palavra de Deus que se fez carne e veio viver connosco (Cf. Jo 1,14).

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

Sustentado numa linguagem muito realista sobre a vivência eucarística este tema só pode ser entendido verdadeiramente à luz fé. Assim o afirmou o próprio Jesus por cinco vezes ao longo do discurso: “A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou” (v. 29), “Quem crê em mim jamais terá sede” (v.35), “Vós vistes-me e não credes” (v. 36), “Todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna” (v. 40) e “Aquele que crê tem a vida eterna” (v.47). Nem todos, de facto, entenderam e/ou entendem o sentido da carne e do sangue de Jesus, Pão Vivo descido do Céu (v. 51)!

Fixemo-nos então nos aspetos centrais deste discurso:

1 – Crer naquele que Ele enviou (v. 29): Libertando-se de uma multidão que só estaria mais interessada no “ter” do que no “ser”, mais no pão material do que no alimento espiritual que perdura e dá a vida eterna (v. 27), Jesus quis deixar bem claro que a comida que enche a barriga não é a que plena e interiormente nos pode saciar. Por isso lhe foi perguntado o que seria então preciso fazer para receber esse “pão” (vers. 28). A resposta de Jesus foi bem clara: o decisivo neste processo é acreditar, ou seja, crer verdadeiramente n’Aquele que do Céu Deus enviou (v. 29).

2 – Que sinal realizas Tu, então, para nós vermos e crermos em ti? (v.30): Aludindo à narração descrita no livro do Êxodo (16,1-21), e em resposta a esta outra questão que Lhe tinha sido colocada, Jesus revela-Se como o novo Moisés ao distribuir um outro maná, mais abundante e eterno, descendo da Sua condição divina à condição humana, dando-Se gratuitamente como alimento, isto é, como sustento e sentido da mesma (vv. 33.38). Anteriormente, os antepassados comeram o maná e morreram (v. 49) porque se tratava de um alimento para saciar apenas a fome terrena. Mas agora o “Pão” que Jesus é e dá não só serve de alimento à vida terrena, enquanto sustento do sentido da mesma e que todos podem alcançar quando O deixam entrar, como também à vida eterna (vv. 50-51).

3 – Eu sou o pão vivo (v.51): Em quatro vezes, ao longo deste texto, Jesus repete a expressão EU SOU que, sendo tradução do nome hebraico de Deus – Iahvé – e que à letra significa “Eu sou aquele que sou” (Cf. Ex 3,14) –, se apresenta e confirma como Pessoa Divina e que o evangelista João iria destacar um pouco mais à frente (Cf. Jo, 8, 24: «Eu sou o que sou»; e nos versículos 57-58 deste mesmo capítulo o afirmaria assim, em resposta aos judeus que lhe perguntaram: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?», tendo Jesus lhes respondido: «Em verdade, em verdade vos digo: antes de Abraão existir, Eu sou!». Ou seja, uma alusão clara ao seu Ser Divino, revelando-Se, de facto, com a mesma fórmula com que o próprio Deus o fez a Moisés.

Numa primeira fase deste discurso dialogante (vv. 47-51) Jesus fala em comer o pão enquanto carne pela vida do mundo. O que significam, pois, estas Suas palavras que o grupo que O ouvia não estava a entender? Para a comunidade de João as palavras de Jesus eram realmente muito claras porque entendidas em linha de conta com a celebração e o significado da Eucaristia.

Jesus iria mais à frente repetir esta afirmação e com mais desenvolvimento (vv.53-58): Ele não só vai dar a comer a Sua “carne”, mas também a beber o Seu “sangue” e quem os aceitar recebe a vida plena (vv. 53-54). Dizendo Jesus que é “carne” significava, pois, que Se havia tornado um ser humano, ao encarnar a nossa condição de debilidade, incluindo a experiência da própria morte. Dizer que o pão que Ele há-de dar é a Sua carne para a vida do mundo (v. 51) significa que Jesus, enquanto Deus-Amor, fez da Sua vida uma doação plenamente gratuita, uma entrega total por amor a todos nós; e que o momento mais alto dessa Vida feita Dom e entrega é a morte na Cruz, enquanto manifestação total do Seu amor. É, na verdade, essa entrega gratuita que os discípulos são convidados a comer e a beber, ou seja, a aderir, acolher, saborear, interiorizar e assimilar. Jesus não se estava mesmo a referir à condição física da Sua carne e sangue, mas apenas pedindo que os discípulos acolhessem e assimilassem essa vida de amor e de entrega plena à Sua semelhança, através da doação plena da sua vida a cada pessoa. Essa entrega que teve a sua plena expressão na Cruz, quando Jesus, por amor, ofereceu totalmente a Sua vida, até à última gota de sangue! Quem, portanto, acolher e assimilar esta vida e aceitar viver da mesma forma – no amor e no dom total de si mesmo, até à morte – terá vida plena e eterna.

De facto, o verdadeiro sentido da Eucaristia, o efeito de “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus é ficar em íntima união, em comunhão de vida com Ele. Todo aquele que, portanto, interioriza a proposta de Jesus identifica-se com Ele e torna-se um com Ele (v. 56). O cristão é, portanto, antes de mais, alguém que recebe a vida de Jesus e vive em comunhão com Ele.

“Comer a carne” e “beber o sangue” é precisamente comprometer-se com o Seu plano de vida. Enviado pelo Pai para dar a vida ao mundo o Seu único objetivo consiste precisamente em concretizar a dádiva da Sua vida, ou seja, em que o cristão comungue, digira o «alimento que perdura e dá a vida eterna» (v. 27) e dedique toda a sua existência a concretizá-lo no meio dos homens (vers. 57). Aqueles que efectivamente O querem aceitar como Pão vivo descido do Céu e que mata a sua “fome” (v. 35) encontram o pleno sentido da vida.

A Eucaristia atualiza, portanto, esta realidade na comunidade cristã e na vida de cada crente. O mesmo Jesus que amou até às últimas consequências, que pôs a Sua Vida ao serviço da vida humana, que Se deu na Cruz, continua a oferecer-Se como alimento a todos nós. O discípulo que come e bebe a Sua “carne” e o Seu “sangue” assimila e compromete-se a viver e a dar a vida como Ele (v. 55). Do “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus nascerá uma nova Humanidade que venceu livremente a morte e que vive para sempre (v. 58).

Sempre que celebramos a Eucaristia aprofundamos os laços familiares que nos unem a Jesus, identificamo-nos com Ele. Se a Eucaristia for sempre para nós uma experiência autêntica de adesão a Cristo, nosso Pão da Vida, ela será realmente transformadora e mudará a nossa forma de ser e estar no Mundo.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Depois da reflexão que acabámos de fazer, centremo-nos então nas interpelações que dela se poderão extrair:

1 – O caminho que percorremos na nossa vida é sempre marcado pela procura de uma realização plena e feliz. Temos “fome” de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos, através de muitas formas, saciar essa “fome”, mas continuamos sempre insatisfeitos…

Como podemos então “alimentar” a nossa vida e dar-lhe pleno sentido? Onde encontrar o “pão” que mata totalmente a nossa “fome”? O que devemos fazer para saborear verdadeiramente o pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo?

2 – O “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus implica, sem dúvida, um compromisso com esse mesmo projecto que Ele procurou concretizar em toda a Sua vida, quer por palavras quer por obras. Assim, e tal como Ele, o crente que celebra a Eucaristia tem de levar aos outros essa Vida que aí recebe e lutar contra a injustiça, o egoísmo, a opressão, o pecado e testemunhar que a vida verdadeira é aquela que se faz amor, serviço, partilha e doação até às últimas consequências. É, realmente, à volta do Senhor Jesus, Pão da Vida, que construímos a nossa vida? Partilhamos mesmo com os outros o Dom recebido? Como O devemos oferecer?

3 – Jesus, com a Sua vida, palavras e gestos veio dizer-nos como chegar à Vida verdadeira e definitiva. Descobrimos o Evangelho como Fonte de Vida para nós? Vivemos realmente a Eucaristia como verdadeiro e profundo encontro com o Senhor? Que importância é que a Eucaristia assume na nossa vida cristã?

4 – Uma comunidade que vive dividida, em conflito, marcada por ciúmes e orgulho, indiferente às dores e necessidades dos irmãos não está a ser coerente com aquilo que celebra. Como podemos dar testemunho da Verdade e ajudar a curar as feridas da divisão que causam tanto sofrimento à nossa volta? Como é que a nossa comunidade celebra a Eucaristia? Acreditamos verdadeiramente no Pão da Vida que por nós Se deu?

 

 

  1. Oração

 

Senhor Jesus, nós Te damos graças pela Eucaristia, fonte de Amor, pela qual nos convidas a alimentar do Pão da Vida e do cálice da salvação, memorial da Tua paixão, morte e ressurreição.

Faz com que, em cada momento da nossa vida, e experimentando a Tua presença em nós, na comunhão do Teu Corpo e Sangue, a nossa fé se fortaleça, a nossa esperança se anime e a nossa caridade aumente para saborearmos a vida plena e eterna que nos prometes. Amen.

(Pode também concluir-se com um cântico apropriado: “Senhor Jesus, Pão da Vida/ penhor de ressurreição…” ou “Eu sou o Pão da Vida, quem me come não morrerá…”).

  1. Oração

 

Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis

e acendei neles o fogo do vosso amor.

Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e tudo será criado.

E renovareis a face da terra.

Senhor Jesus, nós Te damos graças porque novamente vens à nossa vida através da Tua Palavra. Hoje queremos agradecer-Te o Dom da Eucaristia onde revelas o Teu amor, presença e escuta. Que este nosso encontro nos ajude a conhecer-te melhor. Por Cristo nosso Senhor.

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Lucas 22,14-20

 

Nos encontros anteriores fomos convidados a olhar para Jesus que alimenta a multidão e a acreditar n’Ele como Pão da Vida. Hoje somos convidados a centrar, novamente, o nosso olhar em Jesus Cristo e a refletir sobre a Última Ceia a partir do Evangelho que escutamos e escrito pelo Evangelista São Lucas.

A expressão «Ceia do Senhor» é um dos nomes atribuídos à celebração da Eucaristia desde o início da Igreja. Jesus instituiu o sacramento da Eucaristia na Última Ceia que celebrou com os seus Apóstolos pouco antes de sofrer a Sua paixão e morte.

Devemos compreender o relato da última Ceia no quadro da Páscoa Judaica que o povo celebrava como memória da libertação da escravidão vivida no Egito e a fidelidade da aliança celebrada entre Deus e o seu povo. A Ceia celebrada pelos judeus tinha, assim, um significado histórico e religioso. A Ceia fazia parte da grande festa do povo Judeu, a Festa Pascal.

No entanto é importante salientar que embora para o povo judeu fosse um tempo de festa e alegria, para os discípulos e para o próprio Jesus o ambiente que a todos envolvia era de expectativa e tristeza. Jesus já tinha anunciado aos seus discípulos a proximidade da sua condenação, paixão e morte. Estes anúncios da paixão e morte deixavam os discípulos inquietos, preocupados e tristes. Como era possível Jesus estar a dizer-lhes isso? Ele é o Messias, o Filho de Deus… não pode sofrer nem morrer. Certamente eram estes os pensamentos que passavam pela cabeça dos discípulos. Existiam muitas questões para as quais não encontravam resposta. Também por isso era importante que Jesus se reunisse com todos nessa Páscoa para celebrar. Era importante fortalecer comunhão com todos e a todos fortalecer na fé e confiança.

Ao escutarmos o relato da última Ceia sentimo-nos convidados a sentarmo-nos à mesa com Jesus e os seus discípulos e a saborear a Sua presença e as Suas Palavras.

 

  1. Meditação da Palavra

 

 Importa termos presente que a passagem do Evangelho que acabámos de escutar é antecedida pelo relato de um ambiente de conspiração que havia, pois os “príncipes dos sacerdotes e os escribas procuravam uma forma de matar Jesus, mas temiam o povo” (Lc. 22, 2). Aliás, já no capítulo 21 Jesus preparava os discípulos para as perseguições: “Mas antes de tudo deitar-vos-ão as mãos e perseguir-vos-ão entregando-vos às sinagogas e metendo-vos nas prisões; conduzir-vos-ão perante reis e governadores por causa do meu nome, e isso proporcionar-vos-á ocasião de dar testemunho” (v12).

Era este o ambiente que antecedia e estava presente na Última Ceia. Como se pode fazer festa, celebrar tendo presente este ambiente hostil para com Jesus e os seus discípulos?  

O Evangelho começa por estas palavras: “Quando chegou a hora Jesus pôs-se à mesa e os Apóstolos com Ele” (v14). Era esta a hora, era este o momento. Não havia tempo a perder pois tudo estava a acontecer muito depressa. Estava próximo o momento da sua paixão e morte. É nos momentos mais difíceis que temos de fazer comunhão, animarmo-nos uns aos outros e encontrarmo-nos. O que se avizinha é dor, sofrimento e morte. O próprio Jesus manifestou o quanto desejava este encontro com os seus discípulos: “tenho ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco, antes de padecer” (v15). É neste contexto de Ceia que Jesus institui a Eucaristia. Podemos encontrar neste texto alguns elementos importantes: Desejo de Jesus em se encontrar com os discípulos; sentar-se à mesa; o gesto de Jesus que tomando o pão e o vinho dá graças a Deus e reparte pelos discípulos e, por último, o convite de Jesus: “fazei isto em memória de mim”.

A Eucaristia nasce do profundo desejo de Jesus em se encontrar com os seus discípulos e hoje com cada um dos seus discípulos. De se encontrar comigo e contigo. Ela é o encontro por excelência com Cristo. É momento de fé que culmina em partilha. Celebrar Eucaristia é sentirmo-nos chamados por Jesus, termos o privilégio de nos encontrarmos com Ele e alimentarmo-nos dele: na sua Palavra e presença sacramental. Os discípulos acederam ao convite de Jesus, estiveram presente. Hoje o senhor continua a dizer a cada um de nós: “tenho ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco”. Ele quer encontrar-se com cada um de nós. Como rejeitar ou não aceder ao seu convite? Jesus quer sentar-se à mesa comigo.

Momento central da Última Ceia é quando Jesus toma o pão e o vinho os reparte com os seus discípulos e lhes diz: Sou eu. Tomai e comei, tomai e bebei. É Jesus que se dá em alimento. Ele que durante tanto tempo alimentou os discípulos com a sua presença, gestos e palavra está aqui diante de cada um. Este gesto de Jesus abre uma nova era. Somos e construímo-nos como cristãos, comunidade e família quando nos reunimos em seu nome para Celebrar Eucaristia. A Eucaristia constrói e edifica a Igreja.

Após repartir o seu corpo e sangue pelos discípulos Jesus lança um convite/desafio: “fazei isto em memória de mim”. Jesus lembra-nos que celebrar Eucaristia não significa somente recordar a Última Ceia. Celebrar a Eucaristia é sentarmo-nos à mesa com Jesus onde escutamos a sua Palavra e recebemos o seu Corpo. Fazer memória não é só recordarmos o que Jesus fez, é atualizar, celebrar, estar com Ele.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Depois de termos escutado e meditado este texto do Evangelho é importante que nos coloquemos diante da Palavra de Jesus e nos perguntarmos: Que nos quer dizer o Senhor? Qual é o convite, o desafio que o Senhor nos lança? Como posso iluminar a minha vida à luz deste Evangelho?

Em primeiro lugar devemo-nos sentir verdadeiramente convidados a sentar à mesa com Jesus em cada Eucaristia, como aconteceu com os discípulos. Hoje também o Senhor sente desejo de se encontrar e sentar connosco à mesa para Celebrar, para nos falar, para se repartir em cada um de nós. Somos chamados hoje como os discípulos foram na Última Ceia. Celebrar Eucaristia implica não só acolher este convite do Senhor, mas estarmos de corpo e alma na celebração. Pormo-nos à mesa com Jesus é muito mais do que estar de ‘corpo presente’, como meros assistentes, mas escutá-Lo verdadeiramente, sentirmo-nos como família que partilha a vida e constrói união e comunhão. Para a Eucaristia somos convidados a trazer toda a nossa vida, as nossas “alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (GS1).

Importa que cada um de nós reflita como celebra a Eucaristia? Como construo comunhão com aqueles que celebram comigo?

Em segundo lugar celebrar a Eucaristia é partir e repartir. Jesus deu o Cálice a beber aos seus discípulos e repartiu com eles o seu Corpo. Eucaristia é também partilha: acolher, comungar e repartir Cristo pelos irmãos. Foi e é este o desafio que aconteceu na Última Ceia e acontece hoje em cada Eucaristia. Quando recebemos Jesus na sua Palavra e no seu Corpo somos convidados não só a acolhê-Lo mas a partilhá-Lo com os nossos irmãos. Somos chamados a ser discípulos missionários. Discípulos porque nos sentamos à mesa com Jesus, porque somos e nos sentimos Sua família; missionários porque o Senhor nos convida a levá-Lo para a nossa vida, a anunciá-Lo aos nossos irmãos. A Eucaristia fica ‘incompleta’ se Aquele com que nos encontramos, Cristo Jesus, não for levado para a nossa vida, para os nossos irmãos. Neste sentido a Eucaristia constrói e edifica a Igreja.

Como acolho a Eucaristia na minha vida? Que lugar é que ela ocupa na minha vida como cristão? Como levo para a minha vida e comunico aos meus irmãos o que escuto, comungo e celebro em cada Eucaristia?

Em terceiro lugar celebrar a Eucaristia não é apenas fazer memória, lembrança, recordar o que Jesus fez na Última Ceia com os seus discípulos. Celebrar a Eucaristia é atualizar, participar, tomar lugar à mesa com Jesus e com os seus discípulos. É sentirmo-nos verdadeiramente sentados ao Seu lado. Quando Jesus diz “fazei isto em memória de Mim” não nos pede só que nos lembremos do que aconteceu na Última Ceia, mas que O vivamos, celebramos nas nossas vidas. É Cristo que acontece, é Cristo que está presente, é Cristo que diz: isto é o meu corpo, tomai e comei. Sempre que celebramos a Eucaristia Jesus acontece nas nossas vidas e nas nossas vidas acontece Jesus. Fazer memória de Jesus é levá-Lo ao mundo, ao nosso mundo, real e palpável. É dizer ao mundo que Jesus continua vivo na minha vida e na vida de todos os cristãos pois com a nossa vida, as nossas atitudes, gestos e palavras fazemos memória, presença de Jesus.

Até que ponto a minha vida reflete Jesus que escuto e celebro em cada Eucaristia?

O Plano Pastoral deste ano convida-nos a “Revelar juntos um novo rosto de comunidade”. E recorda-nos que “A Eucaristia é o centro da vida cristã para onde tudo converge e donde tudo dimana. Nela se torna presente Cristo salvador, se torna manifesto o ministério sacerdotal e se exprimem os serviços e ministérios laicais. Na Eucaristia a comunidade louva o Senhor, reza e implora as graças e bênçãos para a sua vida. Sem a vida nova que brota da Eucaristia a comunidade perde vigor e o entusiasmo da fé vai-se desvanecendo irremediavelmente.” (Plano Pastoral 2023-24).

Refletir sobre esta passagem da Última Ceia ajuda-nos não só a recordar este acontecimento ímpar na vida de Jesus e dos seus discípulos, mas a compreender que todos somos convidados para nos sentarmos à mesa com Jesus em cada Eucaristia e somos convidados a levá-Lo para o concreto das nossas vidas sentindo-nos discípulos missionários que aceitam o convite de Jesus de celebrar com Ele e de O levar aos nossos irmãos.

 

 

  1. Oração

 

Senhor Jesus, nós Te damos graças porque em cada Eucaristia nos convidas a sentarmo-nos contigo para Te escutar e comungar, tal como fizeste com os Teus discípulos. Pedimos-te que nos ajudes a colocar a Eucaristia no centro da nossa vida e que sempre sejamos testemunhas fiéis da Tua Palavra e presença.

Pai-nosso…

  1. Oração

 

Senhor nosso Deus que nos reunis para celebrar a Ceia Santíssima, na qual o Vosso Filho se entrega à morte por nosso amor e que Ele confiou aos apóstolos para o fazerem em sua memória todas as vezes que a celebrassem, predispõe os nossos corações para o fazermos, nós também, com os mesmos sentimentos com que Jesus o fez. Recordando o gesto de Jesus, que começou por lavar os pés aos apóstolos, faz-nos viver sempre no espírito de serviço que deve preceder a celebração da Eucaristia, não só por parte dos ministros, mas de toda a comunidade celebrante. Pai-nosso.

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

João 13,1-15

 

A leitura que acabamos de escutar tem subjacente, fundamentalmente, uma questão: ajudar os apóstolos a compreender o sentido pleno e último da Eucaristia que irá ser celebrada durante a última ceia pascal de Jesus e a cuja celebração o evangelista não faz qualquer referência, nem no contexto direto da perícope, nem nos discursos que se seguem até à prisão de Jesus com que se inicia a paixão de Cristo. Podemos imaginar que João – conhecendo por um lado, já os relatos da instituição da Eucaristia que constavam dos três evangelhos sinópticos e dos escritos de São Paulo, cujos textos eram todos eles muito anteriores, no tempo, ao quarto evangelho que data do final do primeiro século da era cristã, e, por outro lado, estando mais interessado em transmitir a realidade direta e a vivência eucarística da comunidade joânica, cuja realidade já tinha, então, amadurecido a dimensão litúrgica oficial da celebração da Eucaristia – tenha preferido recordar outras realidades a que se refere apenas o autor do quarto evangelho e que não constavam dos escritos sinópticos dos outros evangelistas. Acrescentando, assim, novo valor, como era o caso, ao sentido pleno e último da Eucaristia que estava relacionada com o lava-pés de que nos ocupamos neste tema, que trata da Eucaristia, e que, na última Ceia Pascal de Jesus, foi precedida pelo lava-pés aos apóstolos por parte do Senhor Jesus Cristo. Na verdade, entre os vários temas que o quarto evangelho aborda e que são omissos nos evangelhos sinópticos, encontra-se, justamente, o importantíssimo tema do lava-pés que relaciona com a Eucaristia a realidade do serviço que a precedeu e na qual o Senhor instituiu o ministério/serviço que a pressupõe, como refere, aliás, o último versículo do trecho de que trata o nosso tema: «Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também». O lava-pés aos apóstolos simbolizava assim o serviço/ministério que Jesus instituía e que seria para sempre o símbolo do exercício ministerial dos apóstolos e dos seus sucessores bem como dos outros ministros ordenados, mas também, pela sua própria natureza, de todo o Povo de Deus que, em comunhão com os ministros ordenados, celebram a Eucaristia, constituindo a Assembleia Eucarística. A concluir devo acrescentar ainda que o trecho que proclamámos se refere apenas à instituição do ministério que deve presidir, em nome de Cristo Cabeça do Corpo místico do Senhor, à celebração do Seu Mistério Pascal que tem lugar na Eucaristia.

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

O trecho do Evangelho de S. João sobre o lava-pés, que precede a instituição da Eucaristia, a que o evangelista não se refere, e, por sua vez, a relação que existe entre estas realidades, começa por nos recordar que Jesus, antes de voltar para o Pai e de nos deixar, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. E, até ao fim, queria dizer, até entregar, por amor, a sua vida, na cruz. Mesmo se o evangelista não fala, no trecho aqui considerado, da instituição da Eucaristia, nem a descreve no seu primeiro e fundamental acontecer, ela está presente já desde o início do trecho através da simples expressão que a identifica na sua verdadeira realidade. Ou seja, com o dom total da sua própria vida revela-nos o mistério e a medida daquele amor que nos recomendara, quando nos deixou o seu e novo mandamento: «Que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei». Demonstrando, Ele próprio, que ninguém tem maior amor do que Aquele que dá a vida pelos seus amigos, como Ele fazia e recomendava; revelando, assim, a grande exigência que a Eucaristia pressupõe: estarmos prontos a entregar por amor a nossa vida como Ele fez. Quer isto dizer, para a comunidade cristã, que a Eucaristia celebrada por nós, sem esta medida de amor, tal como foi O Seu, até dar a vida, corre o risco de não deixar transparecer toda a grandeza deste mistério da nossa fé e de não produzir em nós os mesmos os frutos que a Eucaristia, de sua natureza, deve operar. Foi, justamente, por esta mesma razão que Jesus, durante a última ceia, se levantou da mesa e lavou os pés aos discípulos, recomendando-lhes que, tal como Ele fizera, também eles o deviam fazer uns aos outros. E, assim, recordava, quer ao ministério ordenado quer ao povo de Deus que o mais importante é o serviço recíproco. Estas são, realmente, as condições que a todos nos são exigidas, se queremos realmente celebrar a Eucaristia como memorial autêntico da sua Páscoa. «Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também». Devemos ter em conta ainda, que, mais uma vez, Pedro não percebeu o significado profundo do gesto de Jesus, ao rejeitar que o Senhor lhe lavasse os pés. O significado de um tal gesto já tinha tido a sua origem no seu ter-se conformado completamente à vontade do Pai e no ter assumido a nossa natureza humana para a elevar à dignidade de filha de Deus. Lavar os pés aos apóstolos, mesmo se traduzia um renegar-se a Si mesmo na condição de servo, o que tal queria manifestar era até onde tinha chegado o seu amor por nós, até ao dom da Sua própria vida e é nisso que consiste o mistério Pascal de Cristo que se celebra na Eucaristia. E esta sim era a verdadeira dimensão do serviço que ao ministério e ao Povo de Deus celebrante são pedidos. Esta autenticidade radical do amor a que somos chamados na celebração da Ceia Pascal, deve renovar em nós o compromisso da fraternidade universal e do serviço, para celebrar o enorme e especial mistério da Páscoa de Jesus que a Eucaristia é.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Para podermos iluminar a nossa vida com a palavra que proclamámos não é suficiente ter em conta apenas o texto do Lava-pés, pois para a enquadrarmos no tema Lava-pés e Eucaristia necessitamos de ir beber aos restantes textos da Ceia do Senhor, tendo presente que esta celebra três importantíssimas realidades. Antes de mais, a Eucaristia pressupõe, entre todos os membros da Assembleia o mandamento novo do amor recíproco – ou não fosse ele O seu e novo mandamento – «Que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei», sem o qual não há vida nem testemunho cristão credíveis, nem mesmo possíveis. Depois, como já vimos no trecho da palavra proclamada, o ministério/serviço dos apóstolos, instituído por Cristo, com o lava-pés e que Ele sabe será participado por todo o Povo de Deus que nascerá na Cruz, do seu lado aberto. Mas que é dado, por um título especial, ao ministério ordenado, para o serviço deste povo, também ele ministerial. Por sua vez, estas duas realidades, o amor e o serviço/ministério, convergem ambas e são mesmo indispensáveis para a celebração da Eucaristia propriamente dita. A esta celebração os ministros ordenados são chamados a presidir, e, para tal, receberam de Cristo, na Ceia Pascal o respetivo mandato no lava-pés. Mas, a Eucaristia, esse mistério da nossa fé que como Nova Aliança no Seu Corpo e Sangue celebramos, é destinada a edificar o único Corpo de Cristo, pois, em cada celebração eucarística e em virtude da mesma, essa unidade do único Corpo de Cristo é significada e a todo o mundo é por Ele manifestada e testemunhada, para que o mundo creia.

Ora, à Ceia pascal judaica que o livro do Êxodo nos relata na primeira leitura da liturgia da Ceia do Senhor, e que Jesus celebra com os apóstolos antes do início da Sua Paixão, sucede a celebração da Nova Aliança no Seu sangue, derramado na Cruz por todos nós, o Seu Novo Povo, a Igreja. Mas tal mistério abrange também a inteira humanidade, crente ou não crente, pois, somos todos uma grande realidade/família, saída das mãos de Deus que nos criou por amor e nos dotou de uma particular centelha do seu Espírito que é Amor. Ora, em Cristo portanto, este amor divino participado na redenção a toda a humanidade, quando esta reconhece e segue o Senhor, permite-lhe poder ainda conhecê-Lo e amá-Lo, e fá-Lo muito embora a partir da multiplicidade das origens e profissões religiosas e das culturas do mundo inteiro, ao longo da história que Cristo conduz em direção ao Pai. Na verdade, a clareza com que a comunidade assume a sua identidade cristã e a testemunha, professando a sua fé na Eucaristia, não nos impede de experimentar esta fraternidade universal com todos os povos do mundo inteiro e de modo especial com o povo Judeu do qual nasceu Jesus, e Maria a sua mãe santíssima. Deste modo, a nossa Páscoa, distinta como é da Páscoa judaica, está com esta relacionada, pois assinala a Aliança que Deus estabeleceu com o povo de Israel e que, em Jesus Cristo, nascido Judeu, mas não sendo reconhecido como verdadeiro Messias pelas autoridades judaicas, n’Ele, Deus continua a celebrar, a Nova e definitiva Aliança no seu Corpo e no seu Sangue. Assim a Eucaristia, instituída por Jesus na Última Ceia, é, pois, o grande sinal, eficaz, desta Nova e definitiva Aliança, na qual o Sangue de Cristo é derramado para remissão dos pecados de toda a humanidade.

Na segunda leitura, um texto de Paulo da segunda epístola aos Coríntios, a partir da experiência vivida pelas primitivas comunidades cristãs, o apóstolo dos gentios, descreve-nos o relato da instituição da Eucaristia e da narrativa do mistério pascal de Cristo, com as belíssimas palavras que conhecemos. Que grande e maravilhoso mistério é, pois, dado ao Povo de Deus, ou seja, viver e experimentar na sua própria carne o mistério pascal, sabendo, pois, que a Eucaristia nos diviniza, tornando-nos Corpo de Cristo e permitindo-nos, assim, pela ação do Espírito Santo, chamar a Deus nosso Pai e entrar no seio do Pai pela comunhão do e no Corpo e Sangue do seu Filho, o qual a Ele nos configura, pessoalmente e como comunidade celebrante. De facto, só quando tomamos consciência do compromisso radical de pertença a Cristo e ao seu Corpo é que compreendemos o alcance vital e histórico que o mistério eucarístico tem na vida do Povo de Deus e em cada um dos seus membros. E agora compreendemos por que razão todo o Povo de Deus é ministerial e participa, a seu modo, da celebração do mistério eucarístico. Redescubramos, então, a Eucaristia, cuja celebração atualiza o Mistério Pascal de Cristo, que gera o Novo Povo de Deus e nele harmoniza, na diversidade da condição sacramental e das missões e ministérios dos seus membros o único Corpo do Senhor e deixemos que Ele transforme realmente toda a nossa vida pessoal e as nossas relações fraternas com todos os nossos irmãos, para que o mundo creia e se encontre realmente com Cristo vivo e presente no meio de nós e da inteira humanidade, que Ele ama e quer conduzir ao Pai e à Trindade Santíssima.

 

 

  1. Oração

 

Senhor, que na Eucaristia Vos fazeis dom de amor para o Vosso Povo, ensina-nos a viver, entre todos nós seus membros, no amor recíproco, para podermos testemunhar ao mundo o amoroso serviço que a Eucaristia é para toda a humanidade e assim abrir para todos os seres humanos as portas da Trindade Santíssima e do Paraíso. Ajudai-nos, Senhor.

Pai-nosso…

  1. Oração

 

Senhor Pai Santo, que nos chamais a tomar parte na Eucaristia, concedei-nos a graça de configurarmos permanentemente as nossas vidas à vida e entrega oblativa de Jesus, para que também nós sejamos uma oferenda viva, santa e agradável a Vossos olhos. Permiti que, neste tempo de oração, tenhamos capacidade de discernir qual a Vossa vontade, para que ponhamos a render quem somos e os dons que temos no serviço da unidade da Igreja, Corpo Místico de Cristo, da qual somos seus membros. Pai-nosso…

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

1.ª Coríntios 11,23-34

 

A leitura proposta para este nosso encontro é retirada da primeira Carta aos Coríntios, escrita pelo apóstolo São Paulo em meados dos anos 50, enquanto se encontrava na cidade de Éfeso por ocasião da sua terceira viagem missionária.

Os testemunhos que nos chegam permitem-nos perceber que a comunidade cristã de Corinto demonstrava ser vigorosa, fiel e muito autêntica na forma como tinha abraçado a fé em Jesus Cristo. No entanto, a mesma comunidade debatia-se com as dificuldades próprias da novidade do cristianismo, bem ao contrário do ambiente moral, social e sincretista como o da cidade de Corinto.

Face à pluralidade de cultos religiosos, de ritos sociais, de correntes filosóficas e de visões contrastantes da moral, a comunidade cristã de Corinto ficou sujeita a enormes tensões que motivaram estas advertências de São Paulo e uma maior consciencialização por parte dos membros da comunidade.

De entre as muitas temáticas que São Paulo aborda nesta Carta e tendo em conta o trecho que somos convidados a refletir, uma das questões essenciais que nos ajudam a compreender a pertinência desta carta de São Paulo prende-se com o facto de a vivência da Eucaristia estar ameaçada pela forma como alguns dos cristãos concebiam este sacramento. Tendo em conta o que atrás foi referido, a dificuldade existente em muitos cristãos relacionava-se com a sua incapacidade de superação das suas práticas cultuais do passado ou dos ritos que predominavam no seu tempo. Daí que, no momento em que a comunidade se reunia para fazer memória da última Ceia de Jesus e da Sua Morte e Ressurreição, alguns dos membros da comunidade tomavam parte na Eucaristia com a mesma predisposição e a mesma compreensão que tinham dos conhecidos banquetes sagrados e sociais praticados por outros cultos religiosos. É por este motivo que São Paulo sente necessidade de esclarecer que a Eucaristia não se reduz nem se identifica com um banquete social ou um culto sagrado pagão como existiam naquele tempo, mas é o tomar parte num acontecimento salvífico que foi legado pelo Senhor Jesus ao cuidado da Igreja de modo a perpetuá-lo até à Parusia.

  1. Meditação da Palavra

 

Tendo como base a exposição e contextualização que foram feitas, é-nos possível ter uma melhor compreensão de algumas considerações que S. Paulo escreveu. Fazendo contraposição às práticas pagãs e ao sincretismo religioso que ameaçavam os cristãos de Corinto, nomeadamente crenças que esvaziavam a Eucaristia de todos os seus significados teológicos, São Paulo procura ajudar esta comunidade a distanciar-se destas visões incompatíveis com a fé cristã. Como tal, ao congregar-se na celebração da Eucaristia, a comunidade de Corinto é convidada a renunciar às conceções pagãs e a fixar o olhar e o coração no mistério pascal de Cristo enquanto aguarda a Sua vinda no fim dos tempos. Por este motivo, São Paulo denuncia e admoesta “Quando, pois, vos reunis, não é a ceia do Senhor que comeis, pois cada um se apressa a tomar a sua própria ceia; e enquanto um passa fome, outro fica embriagado. Porventura não tendes casas para comer e beber? Ou desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm?” (1Cor11, 20-22).

Face à triste realidade com que alguns tomavam parte na Eucaristia, reduzindo-a a um banquete e a um encontro social, onde inclusive existia quem se embriagava e onde se acentuavam também as diferenças sociais entre ricos e pobres, as palavras de São Paulo vêm esclarecer que a Eucaristia em nada tem que ver com os banquetes e rituais pagãos visto que é a mais fiel expressão de comunhão com Deus e entre os irmãos. Recordando o mandato do Senhor na Última Ceia, São Paulo refere que “eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim.» Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”. Deste modo, São Paulo relembra aos coríntios que a Eucaristia é o fiel cumprimento do mandato do Senhor, em virtude do qual a comunidade crente acolhe o Senhor que se faz presente em cada celebração pela Sua Palavra e, sobretudo, no Seu Corpo e Sangue.

Só compreendendo o alcance da Paixão e Morte de Jesus na Cruz perpetuados em cada Eucaristia é que é possível sondar e identificar as mais dolorosas realidades pessoais da vida humana com o acontecimento de Cristo, iluminando a vida e as tribulações de cada um de nós com a oferta que o Senhor já operou por nós. Neste sentido, é inconcebível compreender a Eucaristia como um simples encontro ou um superficial banquete onde cada um permanece na sua condição e alheio à realidade do irmão que lhe está próximo.

Convergir o olhar e o coração para o mesmo e único altar da Eucaristia, onde Cristo nos alimenta com a Sua Palavra e com o Seu Corpo e Sangue, faz-nos experimentar esta vida divina que nos renova, que nos identifica com o Mestre e que nos une em profunda comunhão com os irmãos. Por este motivo, tomar parte na Eucaristia, é tomar parte nesta comunhão de vidas de cada um de nós na Vida de Cristo, sentindo-nos pertença uns dos outros porque o somos do próprio Senhor.

Recordemos algumas das afirmações de São Paulo:

«Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti». (1Cor 11,23)

       «O Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim”. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim”». (1Cor 11,23-25)

       «Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha». (1Cor 11,26)

       «Assim, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Portanto, examine-se cada um a si próprio e só então coma deste pão e beba deste vinho; pois aquele que come e bebe, sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação». (1Cor 11,27-29)

       «Se nos examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados; mas, quando somos julgados pelo Senhor, Ele corrige-nos, para não sermos condenados com o mundo». (1Cor 11,31-32)

       «Se algum tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para vossa condenação». (1Cor 11,34)

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Diante desta Carta de São Paulo aos Colossenses que hoje escutámos e meditámos, importa olharmos o modo como fazemos da nossa vida uma entrega a Deus e aos outros, e de que modo esta nossa entrega se torna verdadeiramente um sacrifício (ato de amor), com vida e sem o queixume de quem não encontra outra solução.

Ainda que saibamos que, muitas vezes, não somos reconhecidos ou aplaudidos pelas nossas pequenas entregas, a verdade é que aquilo que cultivamos da parte de Deus no mais profundo de nós mesmos converte-se num enorme capital de graças, sobretudo quando unimos e identificamos as nossas tribulações com o mistério da Paixão e Morte de Jesus. Por este motivo, servir os outros tem de ser primeiramente um exercício de serviço a Deus e de plena comunhão com Ele para que o nosso serviço seja verdadeiramente visto e exercido de forma sobrenatural. Por isso, importa que nos questionemos nalguns aspetos com que a Palavra hoje nos ilumina: Será que nas dificuldades de cada dia sabemos oferecer essas contrariedades como atos de amor a Deus? Será que nos unimos à Paixão de Jesus na entrega que fazemos de nós mesmos e nos esforços que fazemos pelos outros? Em que medida os sofrimentos da nossa vida nos ajudam a completar na nossa carne a Paixão de Cristo? Fazemos dessas tribulações um sacrifício, ou seja, um ato de amor? Os nossos momentos de oração comunitária são essencialmente acontecimentos de Deus no mais profundo de nós próprios ou ficamos pelos rituais e palavras externas? Será que reconhecemos na Eucaristia este mistério de Amor onde o Sacrifício de Cristo se renova e se torna para nós fonte e cume desta transformação espiritual a que somos chamados? Será que permitimos que a Eucaristia nos implique e nos mergulhe verdadeiramente na Paixão de Jesus de modo a iluminar as tribulações da nossa vida presente?

Por outro lado, numa sociedade em que abundam aqueles que estão sempre prontos a criticar e a desdenhar dos outros, somos chamados a dar-nos sem medida e a reconhecer as virtudes e os dons com que Deus agracia os nossos semelhantes. Reconhecer positivamente as capacidades que podemos colocar ao serviço dos outros e reconhecer o valor e os dons dos nossos irmãos faz-nos crescer, ao mesmo tempo que nos concede nobreza de espírito. Será que estamos determinados a servir a Igreja e os irmãos? O nosso serviço baseia-se simplesmente num ativismo humano, ou temos plena consciência que, pelo batismo, nos tornámos servidores de Cristo e da Igreja? A nossa forma de servir procura ser um anúncio de Cristo na vida dos outros? Será que reconhecemos os dons de cada irmão que nos rodeia e pomos a render os nossos dons? Já teremos percebido que os dons dos outros não nos podem criar invejas e rivalidades, mas sim reconhecer a riqueza com que Deus agracia a Igreja? Temos plena consciência do que dizia São Paulo ao afirmar que «é a Ele [Jesus Cristo] que anunciamos, […] lutando com a força que Ele me dá e que atua poderosamente em mim», ou seja, conscientes de que o nosso anúncio não tem origem em nós próprios e nas nossas forças, mas na força que Ele nos concede e que atua poderosamente em nós?

 

 

  1. Oração

 

Senhor Jesus, que operastes a salvação pelo sacrifício da Cruz, permiti que foquemos os nossos corações neste mistério do Vosso amor incondicional e que permitamos que também as nossas vidas se plasmem e se renovem na Vossa entrega. Ensinai-nos, Senhor, a fazer da nossa vida esta oblação viva, alegrando-nos nos sofrimentos que suportamos por Vós e completando na nossa carne o que falta às tribulações da Vossa Paixão. Que a transformação dos nossos corações nos faça cada vez mais generosos para com os irmãos, edificando a Igreja com os nossos dons, as nossas vidas e os sentimentos que brotam do Vosso Amor. Fazei com que sejamos fiéis servidores da Palavra, dando a conhecer este mistério da fé, tornando Cristo presente entre os nossos irmãos. Senhor Jesus, continuai a atuar poderosamente em nós, para que nos gastemos cada vez mais no anúncio do Vosso Evangelho de quem nos fizemos discípulos e servidores. Amen.

  1. Oração

 

Bom Jesus, com o teu exemplo ensinaste-nos a beleza de uma existência vivida como dom. O pão que partimos e partilhamos, queremos que seja sinal dessa vida entregue: entregue aos outros, entregue ao mundo, entregue a Ti, como expoente máximo de dádiva em amor. Ajuda-nos, ao refletirmos sobre este gesto tão denso e significativo, a melhorarmos, quotidianamente, as nossas atitudes em prol de um mundo mais humano, mais fraterno, mais unido, na certeza de que Tu és o Vivente em nós. Pai-nosso…

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Lucas 24,13-35

 

A perícope que ouvimos tem o seu centro na afirmação fundamental “Ele está vivo”, no versículo 23. De facto, no Antigo Testamento, esse título é aplicado apenas em âmbito teológico, isto é, referindo-se diretamente a Deus. Por sua vez, o Novo Testamento, aplica-o cristologicamente a Jesus, como o Vivo ou o Vivente. O relato dos discípulos de Emaús constituiu, portanto, uma pérola no quadro da fé pascal neotestamentária.

Este relato pode ser estruturado em cinco partes principais: uma introdução, onde o evangelista fornece o contexto físico-emocional dos discípulos a caminho da povoação de Emaús (cidade-símbolo de libertação teológica e política), que distava sessenta estádios de Jerusalém, entristecidos com a morte de Jesus e conversando sobre os eventos recentes. Num segundo momento, dá-se a interação com Jesus, que se coloca a conversar com eles, sem que o reconheçam. Na conversa, Jesus pergunta-lhes o que discutem e eles explicam-lhes como as suas esperanças fracassaram a respeito de Jesus de Nazaré. Numa terceira parte, Jesus começa a explicar as Escrituras aos discípulos, desde Moisés até aos profetas, dando assim a entender a necessidade teológica de que tudo tinha acontecido de acordo com as promessas divinas. A quarta parte do relato é a central: o reconhecimento de Jesus. Os discípulos, chegados a Emaús, convidam o seu companheiro misterioso a ficar consigo. Durante a refeição, e em pleno contexto eucarístico, que percebemos através do vocabulário utilizado pelo narrador, os olhos dos discípulos abrem-se no momento da fração do pão e, aí, reconhecem-no na sua autêntica identidade pascal. A última parte é fundamentalmente testemunhal: os discípulos levantam-se, numa atitude de impulso interior e comunicativo da experiência vivida. Voltam a Jerusalém e partilham imediatamente a “Boa-Notícia” com os outros discípulos: como Ele se lhes manifestou nas Escrituras, segundo o desígnio salvífico de Deus e, seguidamente, como O reconheceram na fração do pão.

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

Este texto desenvolve-se numa dinâmica pedagógica e gradual, que podemos sintetizar na seguinte progressão narrativa: Presença (de Jesus), Palavra, Escrituras (AT), Pão (NT). Se Moisés e os Profetas formavam o essencial da Escritura para os judeus, podemos também afirmar que, na teologia do Novo Testamento, é a certeza de fé da Presença viva de Jesus que constitui o seu núcleo fundamental. Ora, essa Presença viva com certeza que já não se manifesta de modo físico, mas de outro modo, que os discípulos tiveram de, a pouco e pouco, ir descobrindo. Portanto, para os primeiros crentes em Jesus e na sua Ressurreição, a fé pascal não foi um dado adquirido ou automático, mas, poderíamos dizer, um caminho de descoberta. O cristianismo nasce, pois, na sequência da experiência primordial que o potenciou: a fé, não num defunto sábio, profeta ou inspirador, mas no Vivente.

Os diversos relatos pascais do Novo Testamento indicam-nos, neste sentido, diferentes caminhos de encontro com Jesus Ressuscitado. Aquele que acabámos de escutar é, sem dúvida, um dos mais eloquentes na sua forma e teologia narrativamente implícita. Tudo se desenvolve a partir do encontro com Jesus. Vejamos. O problema daqueles dois discípulos tinha sido o das expetativas erradas relativamente a Jesus de Nazaré, projetando-o num sentido messiânico político e guerreiro, que libertasse Israel das mãos do Império Romano dominador e opressivo. Assim, para eles, a ideia de Ressurreição situava-se neste âmbito de “justiça terrena” e libertação política. Trata-se, de facto, de uma ilusão, que o aparente fracasso da cruz imediatamente transformou em desilusão. As mulheres, na sociedade da época, eram desvalorizadas, daí que o seu testemunho fosse pouco tido em conta. Contudo, mesmo alguns homens, indo até ao sepulcro, não encontraram nada, o que significa que já não é da mesma forma que O podem ver, mas doutra. A Ressurreição de Jesus revela uma nova ordem de presença, inclusivamente mais densa do que a anterior: trata-se da presença através do seu Espírito.

O Antigo Testamento orienta-se, em tensão, para o Messias, o Cristo, que devia sofrer “para entrar na sua glória”. Portanto, a cruz, o sofrimento do Messias entende-se, assim, numa perspetiva histórico-salvífica: como reveladora da outra face do Mistério. Se tudo se cumpriu de acordo com as esperanças veterotestamentárias, quer dizer que, para Deus, aquele Cristo sofrido e injuriado realiza perfeitamente tudo o que estava “previsto” na Escritura. Ele é, pois, a plenitude das Escrituras: superando-as, faz-nos descobrir novos aspetos do Mistério de Deus, na continuidade da revelação anterior. A Ressurreição é o paradigma dessa nova compreensão, não só de Jesus, mas também do próprio Deus, que dá crédito a Jesus, a toda a sua obra e missão, ressuscitando-o da morada dos mortos, a qual, para um judeu, era sempre morada do eterno esquecimento.

A fração do pão insere-se numa linha fundamentalmente simbólica e espiritual. A atitude da partilha da mesa dos discípulos com aquele companheiro de caminho, já revela desejo de algo mais. Será depois, no gesto da fração do pão, que os seus olhos, bastante fechados, se abrem a uma nova forma de ver as coisas. Dão o salto do ver físico ao ver espiritual: o pão encerra essa densidade significativa da nova presença de Jesus na comunidade. É, pois aí, nessa modalidade e, acima de tudo, nesse gesto de partilha, que O devem procurar e, consequentemente, descobrir. Jesus Ressuscitado é alimento!

Os discípulos, após o acontecimento da cruz, dispersaram-se e fugiram, voltando, de alguma maneira, ao passado, às suas antigas ocupações, como se tudo acabasse ali. Porém, apenas juntos, em comunidade fraterna e reunida, é que foi possível a experiência avassaladora de fé na Ressurreição de Jesus. Ninguém é cristão sozinho, apenas comunitariamente se vive e experimenta a alegria da fé, enraizada no Mistério Pascal de Jesus. “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”, é a frase que denota essa ligação entre fé e comunidade apostólica: Simão representa, precisamente, a comunidade dos irmãos que dá consistência à fé em Cristo Ressuscitado, sua origem e fundamento.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Se a Páscoa de Jesus é a base da nossa fé e da nossa esperança, ela há de constituir-se como fonte iluminadora da vida. Tudo parte da fé pascal, inclusive todo o Novo Testamento é redigido à luz desta fé que revoluciona todas as nossas conceções mais imediatas do divino. Deus é, com Jesus, o Amigo da Vida, que nada mais quer a não ser a realização plena das suas criaturas. Este é o prolongamento existencial da fé na Ressurreição.

Os discípulos de Emaús, no caminho progressivo que fizeram da tristeza, confusão e desorientação à alegria do reconhecimento de Jesus “na fração do pão”, desafiam-nos a não ficarmos presos num pessimismo catastrofista e a olharmos para a experiência comunitária e eucarística como centrais para o fortalecimento da fé.

O Mistério Pascal de Cristo é a base fundante do Cristianismo. Não de um modo teórico ou abstrato, mas profundamente vital. O batismo inicia em cada crente a participação nesse Mistério, através do dinamismo santificador do Espírito, que atua em nós e nos torna recetores dos dons de Deus. Na celebração eucarística, reunião dominical da comunidade convocada pelo Espírito, renovamos conscientemente esse Mistério, alimentando a fé e potenciando em nós a força e o compromisso de uma vida de acordo com os critérios do Evangelho de Jesus, qual energia humanista e ética de transformação do mundo.

Portanto, ao refletirmos sobre esta passagem do Evangelho de Lucas, podemos verificar que o encontro com Jesus só é possível mediante duas realidades basilares: a escuta da Sua Palavra e a fração do pão, ou seja, os dois momentos fundamentais da Eucaristia, que sempre dela fizeram parte, como centrais no culto cristão. Todavia, não basta a celebração. É preciso entrar na dinâmica, que é eminentemente vivencial, mais que cultual…

Como podemos, então, cultivar em nós esta dinâmica? O narrador dá-nos as duas orientações-base de que falámos: a escuta da Palavra e a fração-partilha do Pão. Apesar de toda a desilusão que traziam no coração, aqueles dois discípulos continuavam a falar sobre Ele (v. 14), questionando-se profundamente sobre a lógica daqueles acontecimentos. O evangelista diz até que “debatiam” entre si. No fundo, Jesus não se tinha apagado do seu íntimo, Ele permanecia lá. E é precisamente nesse “debate” que Jesus entra em cena, no meio das suas dúvidas e questões. Ora, mesmo no meio das dificuldades próprias de se ser cristão nos dias de hoje, importa continuar a falar sobre Jesus, a perguntar sobre Jesus e sobre o significado da sua vida entregue, num amor fiel e comprometido. O “ardor” que surgiu no coração dos dois discípulos (v. 32) surgirá assim, também, no mais profundo dos nossos contemporâneos que, talvez, ainda não tenham experimentado, em comunidade, Jesus Vivente que transforma a vida…

O gesto da fração do pão, por sua vez, é bastante significativo, para nós, cristãos. Por monotonia da repetição, podemos tornarmo-nos insensíveis ao seu sentido mais autêntico, que é profundamente existencial. Não se trata tanto de um rito a cumprir, mas a assimilar. Assimilar como modo de ser e de estar na vida: connosco próprios, com os outros e até com Deus. Na Eucaristia podemos sempre purificar falsas imagens de Deus e compreendê-lo, cada vez melhor, como dom gratuito e permanente…

É importante redescobrirmos a Eucaristia como um encontro com Jesus Vivo que transforma as relações humanas e, necessariamente, as relações com o próprio meio ambiente, pois é dele que os seus dois elementos fundamentais provêm (o pão e o vinho). A Eucaristia insere-nos, pois, numa lógica nova, assente nos seguintes conteúdos: a partilha da mesa, o reconhecimento do outro como amigo e irmão, o cuidado ecológico da Terra, a valorização a vida a partir do dom, da entrega e, por conseguinte, do amor. De facto, essa é a única chave de leitura do próprio Mistério Pascal, atualizado sacramentalmente em cada celebração eucarística.

 

 

  1. Oração

 

Senhor Jesus, companheiro transformador dos discípulos de Emaús, renova-nos também a nós, teus discípulos hoje. Que as desilusões da vida não limitem o novo olhar que a Tua Palavra e o Teu Mistério nos oferecem… A celebração da Eucaristia, não seja para nós simples rotina sem vitalidade, mas força diária de compromisso profético e de renovação no Teu seguimento.

Pai-nosso…

  1. Oração

 

Senhor Jesus, Pão da Vida, Tu és o alimento da nossa vida. Deixaste-nos a Eucaristia como memorial da tua morte e ressurreição e na qual nos alimentamos da palavra e do pão. Fazei que olhemos para este acontecimento como o início e o fim da nossa missão de batizados, levando aos outros a Tua alegria que é fruto da nossa união contigo.

 Pai nosso…

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

Atos 13,1-3

 

 Nos escritos do Novo Testamento, encontramos duas obras atribuídas ao evangelista S. Lucas que pretendem formar uma unidade: o terceiro Evangelho e os Atos dos Apóstolos. Deste modo, os Atos dos Apóstolos constituem a segunda parte da obra lucana. Terá sido escrito no final dos anos 80 d.C. e tem como finalidade dar a conhecer a vida da Igreja nascente logo depois da ascensão de Jesus ao Céu e mostrar às comunidades cristãs um modelo de vivência eclesial. Procura ainda mostrar de como Deus foi inspirando o florescer da Igreja nascente, pois apesar de todos os contratempos, nada impediu que o Evangelho fosse anunciado.

Os Atos dos Apóstolos apresentam a seguinte estrutura: Prólogo; I. A Igreja de Jerusalém; II. A expansão do evangelho e da Igreja na Judeia e Samaria; III. A expansão do evangelho e da Igreja entre os gentios; IV. Paulo prisioneiro; Conclusão. O texto deste nosso tema, insere-se na terceira parte na qual Paulo é o grande protagonista na evangelização aos gentios.

  Este pequeno excerto dos Atos dos Apóstolos, poderá parecer que nada tem de interesse à nossa reflexão, pois é muito diminuto e apresenta unicamente alguns dados aparentemente de pouco interesse. Contudo, em primeiro lugar, nestes versículos podemos ver como as comunidades cristãs já se estruturavam com vários ministérios. A Igreja de Antioquia era exemplo dessas comunidades ministeriais e ao mesmo tempo cosmopolitas, ou seja, através dos cinco nomes que o texto apresenta, vemos que não são cristãos unicamente de origem judaica, mas também cristãos oriundos da gentilidade.

Em segundo lugar, o culto, isto é, a Eucaristia, tem um papel central na vida da comunidade. É na fração do pão, que o Espírito Santo se revela e mostra aos crentes a sua vontade. A Igreja não pode ser movida por homens e mulheres que satisfazem os seus desejos e ambições, mas sim por crentes que ouvem a vontade Deus através do seu Espírito. É nesse contexto de escuta atenta de Deus que a comunidade de Antioquia envia Paulo e Barnabé em missão depois de ter rezado por eles e de lhes impor as mãos,

Por fim, o texto revela bem como a missão na vida da Igreja brota da Eucaristia e de como a pregação de Paulo e Barnabé não é algo da sua decisão e mérito pessoal, mas sim uma decisão da comunidade cristã, inspirada e guiada pelo Espírito Santo. Assim, Paulo juntamente com Barnabé inicia a sua viagem missionária, evangelizando os gentios.

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

Neste ano pastoral, somos convidados a olhar para a Igreja, ou melhor dito, a olharmos para nós mesmos enquanto comunidade de crentes que seguem Jesus. Mais concretamente, vivemos agora o Sínodo sobre a Sinodalidade e a preparação do Congresso Eucarístico a nível nacional e internacional. Deste modo, devemos perceber como a Eucaristia é fonte da missão dos crentes, sem a qual o cristão não pode viver. O texto que nos é apresentado neste tema, pode-nos dar uma ajuda neste sentido.

Na última ceia, onde Jesus se despediu dos seus discípulos e instituiu a Eucaristia, como prova do seu amor por nós, poderia ter-nos deixado muitas recordações, como por exemplo a sua túnica, ou outro dos seus pertences que nos iriam lembrar d’Ele. Mas Jesus ama-nos de tal forma que se deixa a Ele próprio connosco, é Ele a própria recordação, é Ele que se oferece a nós. A Eucaristia é então este presente de Jesus, na qual Ele vem até nós através da Palavra e de uma simples refeição de pão e vinho. Por isso, logo desde o início os cristãos compreenderam a importância deste sacramento, é aí que estamos perto de Jesus e que nos tornamos semelhantes a Ele através da comunhão sacramental.

Deste modo, estamos tantas vezes habituados a ouvir que a “Eucaristia faz a Igreja”, é impossível haver Igreja ou cristãos sem a Eucaristia. Ela é verdadeiramente uma “fonte” da vida do cristão. Infelizmente, esta consciência fica muitas vezes esquecida pois a nossa ideia de “fonte” fica obscurecida quando frequentamos unicamente a Eucaristia por tradição ou por rotina. Esta “fonte” da vida cristã deveria pautar a vida dos crentes, na qual tudo começa e tudo acaba. Participamos na Eucaristia pois temos fome e sede de Deus, alimentamo-nos de Jesus pois somos necessitados d’Ele.

Assim sendo, a Eucaristia é o princípio e fim de toda a vida do cristão. Participamos da Eucaristia para nos alimentarmo da Palavra e do Pão, recuperando assim o alento espiritual, isto é a nossa comunhão com Jesus, levando assim esta força para o longo da semana. Deste modo, a Eucaristia é o princípio da vida dos crentes e por isso se dá tanta importância ao Domingo, o primeiro dia da semana.

Mas como disse atrás, a Eucaristia é também fim, na medida em que depois de termos passado os nossos trabalhos, as nossas preocupações diárias ou semanais, abeiramo-nos da mesa do Senhor, estafados e cansados, para nos alimentar e restabelecer as forças e o ânimo. Assim, a nossa vida deve ter como marco mais importante da sua semana ou do seu dia a Eucaristia, pois aí todos os nossos cansaços acabam para aí mesmo, depois de alimentados, podermos ter força para as próximas jornadas.

Olhando desta forma para a Eucaristia, percebemos bem o porquê de chamar Missa. “Missa” vem do verbo mitto, que quer dizer, enviar, e que, por sua vez, chega à palavra “missão”. Depois da missa somos convidados a ir em Missão: Ite misa est, ou seja, Ide em missão. Os frutos deste sacramento devem ser partilhados com os outros, principalmente com aqueles que têm mais fome e sede de Deus. Foi exatamente isto que Paulo e Barnabé realizaram.

A missão brota da Eucaristia, como uma decisão/ necessidade da comunidade, que estando reunida, sob a ação do Espírito Santo, envia os seus membros. Paulo e Barnabé iniciam a sua missão no contexto de uma Eucaristia e, como sabemos, realizam grandes coisas, não por sua ação espontânea, mas sim pelo poder que receberam da fração do Pão. Certamente que nas suas longas viagens missionárias, tiveram momentos de dúvida e desalento, mas em tantas vezes, ganharam o alento necessário no banquete da Eucaristia.

Cada vez mais temos de perceber que ninguém pode ser cristão e missionário sem se ganhar forças na Eucaristia, mas tendo um sentido pleno do que isso significa. Neste ano pastoral, em especial, devemos refletir sobre como temos vivido este “presente” que Jesus nos deixou na Última Ceia. Devemos criar um profundo desejo de querer estar com Jesus, ou melhor dito, querer ter fome de Jesus. Não há nada no mundo que possa substituir o banquete da Eucaristia, portanto não nos enganemos com falsos alimentos, mas alimentemo-nos d’Aquilo que dá força à nossa missão de cristãos.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

No nosso dia-a-dia, quando a vida vai correndo de forma rotineira, esquecemo-nos daquilo que deve ser o motor da nossa vida cristã. Muitas vezes arranjamos rápidos escapes para nos alimentarmos, esquecendo-nos que o verdadeiro alimento é o próprio Jesus.

Acredito verdadeiramente que Jesus é que é o verdadeiro alimento da minha vida? Vejo a Eucaristia como princípio e fim do meu dia/semana? Como combato a rotina do dia-a-dia para que cada Eucaristia seja vivida como uma só?

Sinto o Espírito Santo atuar em mim e na minha comunidade? Que frutos da Eucaristia tenho sentido que se geram na minha comunidade?

A minha comunidade é missionária? Qual é a fonte da sua missão? O que Jesus me chama neste momento a fazer pela Igreja?

 

 

  1. Oração

 

O Senhor é meu pastor, nada me falta,

em verdes prados me leva a descansar.

Conduz-me às águas refrescantes

e reconforta a minha alma.

Ele guia-me pelos caminhos retos,

por amor do seu nome.

Mesmo que eu ande por vales tenebrosos,

não temerei mal algum.

Porque Tu estás comigo,

a tua vara e o teu cajado me dão coragem.

Preparas a mesa para mim,

à vista dos meus inimigos.

Com óleo me perfumaste a cabeça,

e a minha taça ficou a transbordar.

Sim, a bondade e a misericórdia me acompanharão

todos os dias da minha vida.

E habitarei na casa do Senhor,

ao longo dos dias.

Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo,

como era no princípio agora e sempre. Amen.

  1. Oração

 

Senhor Deus: Neste ano pastoral, temos refletido sobre o Domingo e o sentido pascal da ressurreição. O grande sinal do Domingo e da Páscoa é a Eucaristia que se celebra dentro do templo e, pela caridade, se manifesta fora do templo. Faz-nos compreender a relação da nossa vida com a Eucaristia que se celebra e recebe. Glória ao Pai…

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

Proclamação da Palavra

Marcos 16,1-8

 

O evangelista S. Marcos, na sua maneira lacónica de relatar o que Jesus fez nos três anos de vida pública (pregações, curas extraordinárias, ressurreições, muitas ações miraculosas), transmite o acontecimento da ressurreição de Jesus num contexto taciturno, de medo, de tristeza, de cemitério, de aflição e choro, porquanto o enterramento tinha ficado mal feito e incompleto. Naquela sexta-feira, foi tudo feito tão à pressa que nem houve tempo para os rituais dos perfumes e do embalsamamento, conforme o costume de sepultar entre os judeus. Era preciso acabar o que tinha sido começado – mas isso só podia ser feito na madrugada de domingo, antes de o sol nascer, que no sábado não era permitido por ser dia santo dos judeus. Nessa madrugada, o evangelista S. Marcos dá-nos conta da presença de três mulheres para realizar o que tinha faltado fazer naquele sepultamento. Eram Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé. A sua primeira e grande preocupação era encontrar alguém que retirasse a pedra que tapava a entrada do sepulcro. Quando lá chegaram, tiveram quatro reações distintas. A primeira foi de espanto porque a pedra, sendo grande, tinha sido rolada para o lado e o sepulcro estava aberto. A segunda, depois de terem entrado na caverna sepulcral, foi encontrarem um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca. A terceira foi a ausência do corpo que ali tinha sido sepultado. A quarta foi a informação de que o corpo de Jesus não estava ali porque tinha ressuscitado. Quatro reações que produziram medo e as fizeram fugir assustadas, a tremer e fora de si, não sem antes terem ouvido um recado dado pelo tal jovem que as mandou avisar os discípulos e, concretamente, Pedro, para que fossem a caminho da Galileia onde o iriam encontrar.

De facto, foi tudo muito estranho e amedrontador. Mas como poderia ser de outro modo se o que aconteceu foi a reação natural diante de um túmulo vazio onde, horas antes, tinha estado um cadáver a quem se pretendia acabar o sepultamento? Se fôssemos nós, fugiríamos ainda com mais rapidez.

Atenção que o tema que nos é proposto para reflexão – e para o qual foi escolhida esta leitura bíblica – não tem como finalidade pôr-nos a pensar nos nossos medos relacionados com funerais, morte ou sepulturas. Pelo contrário. Pretende pôr-nos a refletir sobre o domingo como “dia do Senhor e senhor dos dias”, ou seja, sobre a razão e o significado etimológico da palavra “domingo” e, mais concretamente, da ressurreição afirmada por aquele “homem vestido de branco” de que a pessoa que ali tinha estado sepultada tinha ressuscitado – coisa que aconteceu precisamente no “primeiro dia da semana”, naquele preciso domingo. Jesus tinha predito que “ao terceiro dia” ressuscitaria. Para os cristãos, o valor do domingo está na ressurreição. O “Senhor” ressuscitou e o domingo é o “dia do Senhor ressuscitado”. Pois bem: é a teologia pascal, da ressurreição e da Eucaristia, que vai ocupar a nossa reflexão neste encontro de oração.

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

Domingo, o dia do Senhor.

Nos textos bíblicos do Novo Testamento há três grupos de eventos relacionados com a morte e ressurreição de Jesus: crucificação e sepultamento (no qual Jesus é colocado num novo túmulo após a sua morte); descoberta do túmulo vazio; e as aparições após a ressurreição. O texto deste nosso encontro de oração visa só o segundo.

Embora nenhum evangelho apresente um relato que inclua todos os episódios sobre a Ressurreição no domingo de Páscoa e as aparições posteriores, eles concordam em quatro pontos: 1) A atenção dada à pedra que fechava a entrada do túmulo. 2) A ligação da tradição do túmulo vazio com a visita das mulheres “no primeiro dia da semana”. 3) Que Jesus ressuscitado escolheu aparecer pela primeira vez às mulheres e pedir-lhes que proclamassem este importante facto para os discípulos e, sobretudo, para Pedro e os demais apóstolos; 4) A proeminência de Maria Madalena.

De acordo com o Novo Testamento, Jesus deu novo significado à ceia de Páscoa (judaica) quando ele preparou os seus discípulos para a sua morte no cenáculo durante a Última Ceia. Ao instituir a Eucaristia, Jesus ligou o significado do pedaço de pão e da taça de vinho com o seu corpo, que seria sacrificado, e com o seu sangue, que seria derramado. Assim, relaciona-se alegoricamente o cordeiro da páscoa judaica com Jesus que é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

Os primeiros tempos da vida da Igreja enfrentaram duas dificuldades. A primeira foi a mudança da páscoa judaica (com o seu cerimonial) para a páscoa cristã; a segunda foi a envolvência da ceia pascal e da morte e ressurreição de Jesus na obtenção do novo significado do domingo como “dia do Senhor”, por causa da Ressurreição. Eis-nos, então, no fulcro da questão. Na Bíblia (desde Isaías até ao Apocalipse) fala-se muitas vezes no “dia do Senhor” em tom belicista, de vingança, de redenção, de domínio, de vencer os inimigos, numa referência direta ao dia final quando o Senhor voltar para julgar todas as pessoas. O Antigo Testamento é pródigo nesse aviso. Os inimigos eram pessoas ou exércitos ou povos que tinham subjugado e dominado os israelitas. Mas era também qualquer pessoa que fosse idólatra, sobre quem viria o castigo mesmo que fosse só no fim dos tempos. A ideia de castigo e de vingança estava explícita quando alguém dizia “dia do Senhor”. No Novo Testamento a expressão continuou a mesma, com sentido de dominar, castigar e vencer o inimigo, sobretudo quando é referida à segunda vinda de Cristo e houver o julgamento final; mas foi mudado, por completo, o alvo: em vez de serem castigos físicos sobre as pessoas ou sobre os exércitos ou sobre o povo, recaiu o castigo sobre o último inimigo a ser vencido, que é a morte, a morte pelo pecado. A ressurreição de Jesus é o domínio de Cristo sobre a morte. O Senhor é “Senhor e Vencedor”.

O dia do Senhor veio a ser o dia da destruição e, ao mesmo tempo, o dia da salvação. Por isso, o dia da Ressurreição veio a ser a celebração semanal mais importante para os cristãos, porque, com ela, ficou vencida a morte e sobrelevou-se a vida, a Vida (com letra grande) e assim o fazemos agora em Igreja especificamente com a celebração da Eucaristia.

Instituído para amparo da vida cristã, o domingo ganhou novos significados e adquiriu, naturalmente, um valor de testemunho e anúncio. Dia de oração, de comunhão e alegria, ele repercute-se sobre a sociedade, irradiando sobre ela energias de vida e motivos de esperança. O domingo «é o anúncio de que o tempo, habitado por Aquele que é o Ressuscitado e o Senhor da história, não é o túmulo das nossas ilusões, mas o berço de um futuro sempre novo, a oportunidade que nos é dada de transformar os momentos fugazes desta vida em sementes de eternidade. O domingo é o dia em que a comunidade cristã eleva para Cristo o seu grito: ‘Maranatha: Vinde, Senhor!’ (1 Cor 16,22). Com esse grito de esperança ela faz-se companheira e sustentáculo da esperança dos homens. E, domingo a domingo, iluminada por Cristo, caminha para o domingo sem fim da Jerusalém celeste, quando estiver completa em todas as suas feições a mística Cidade de Deus, que ‘não necessita de Sol nem de Lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus, e a sua luz é o Cordeiro’» (São João Paulo II, Dies Domini, número 84).

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Domingo é dia de Missa!

Desde tempos imemoriais, nós, cristãos, celebramos o Dia do Senhor no domingo, o dia em que Cristo venceu todas as forças do mal e ressuscitou. Por isso, os primeiros cristãos mudaram o sagrado costume judaico de santificar o dia de sábado para domingo. A santificação do sétimo dia, prescrita no Antigo Testamento para os judeus, passou, por disposição dos Apóstolos, a ser praticada no primeiro dia da semana, o domingo, dia santificado dos cristãos. Ao longo de vinte e um séculos de história, a Igreja Católica, juntamente com as outras igrejas cristãs, sempre reconheceu o sentido sagrado deste dia, vendo nele a Páscoa da semana, que torna presente a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte.

Domingo é dia do Senhor, que nos quer todos reunidos para participar da Eucaristia, ouvir a sua Palavra e celebrar a ação de graças. É o dia em que as famílias e as comunidades se encontram para reforçar os laços de comunhão e amizade. O domingo, enfim, é o dia da vida, da festa, da alegria; não é apenas um feriado, mas um dia santificado: “Guardar e santificar o dia do Senhor”.

O dia de domingo há-de ser preenchido com a participação na Eucaristia, com a qual se faz presente a Morte e Ressurreição de Jesus. Corremos, entretanto, o risco de transformar o domingo em tempo de ociosidade ou, pior ainda, tempo de todos os vícios nos quais jovens e adultos mergulham de forma arriscada e indigna. O resultado é um esvaziamento terrível, com gosto de ressaca! Sabe-se bem com que cara se encara a segunda-feira…

A palavra lida e comentada neste encontro, ao lembrar-nos a ressurreição de Jesus e insistindo que o Domingo é o dia do Senhor, deixa claro o valor dos deveres (ou mandamentos) que a Santa Igreja propõe. O Catecismo diz que o cumprimento desses mandamentos é o “mínimo indispensável” para o crescimento na vida espiritual dos fiéis.

1 – Participar da missa inteira nos domingos e festas de guarda e abster-se de ocupações de trabalho. Ordena aos fiéis que santifiquem o dia em que se comemora a ressurreição do Senhor, e as festas litúrgicas em honra dos mistérios do Senhor, da santíssima Virgem Maria e dos santos.

(A este mandamento juntam-se mais quatro: a) Confessar-se ao menos uma vez por ano. b) Receber o sacramento da Eucaristia ao menos pela Páscoa da ressurreição. c) Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa Mãe Igreja. d) Ajudar a Igreja nas suas necessidades).

 

 

  1. Oração

 

Senhor Deus, neste encontro pudemos abrir o nosso coração aos significados dos ritos e das celebrações que nos recordam o essencial da fé: que Cristo ressuscitou, que o Domingo é o dia em que Ele venceu a morte e em que cada um de nós deve vencer tudo o que o estorva de ser cumpridor dos preceitos de Deus. São-nos úteis todos os incentivos doutrinais para pormos em prática os mandamentos de Deus e da Santa Igreja.

Pai nosso…

  1. Oração

 

Ao iniciarmos este momento de meditação e oração, nós vos rogamos, Senhor Jesus, que abrais o nosso coração à escuta da Palavra de Deus, que é cimento do seu Povo, e que nos envieis sem cessar o Espírito Santo, fortalecedor da nossa fé individual e comunitária. Que a alegria da vossa Ressurreição seja a luz que dissipa todas as dúvidas e hesitações que surgem no nosso caminho e nos robustece na missão de discípulos construtores da vossa Paz. Amen.

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

 

Proclamação da Palavra

João 20,19-29

 

Neste Evangelho são narradas duas aparições do Ressuscitado. A primeira delas, João situa-a no próprio dia da Ressurreição, o primeiro da semana, encontrando-se os discípulos reunidos num local fechado, com medo da perseguição movida aos que se identificavam como seguidores de Jesus. Coloca-se no meio deles, e a sua saudação inicial é: “A paz esteja convosco!”. Mostra-lhes os sinais físicos da Paixão, eles reconhecem-no, escutam a sua Palavra e exultam de alegria. De novo lhes diz: “A paz esteja convosco.”

De seguida, Jesus motiva-os à ação, à saída para o mundo, sem temores nem receios, enviando-os como continuadores da missão que Ele próprio havia recebido do Pai. Concede-lhes o dom da paz, sopra sobre eles o Espírito Santo, que os conduzirá na missão, e dá-lhes o poder de perdoar os pecados.

No entanto, Tomé, que não estava com o grupo, mostra-se cético à Boa Nova que lhe é transmitida pelos companheiros, exige provas.

Tomé está presente na segunda aparição do Ressuscitado, oito dias depois. O texto sugere que Tomé não terá tocado as chagas de Jesus, mas a Sua presença e a Sua Palavra levaram a que O reconhecesse, fazendo a sua profissão de fé, aquela que é a primeira profissão de fé no Ressuscitado vocalizada por um membro da comunidade crente: “Meu Senhor e meu Deus!”

A narração das aparições que hoje meditamos, bem como a Ressurreição e todas as narrações das aparições de Jesus Ressuscitado relatadas nos Evangelhos sinópticos, acontecem ao Domingo.

O Domingo torna-se o Dia do Senhor Ressuscitado. Ele é o centro e o alicerce da comunidade crente, Cabeça do Corpo místico que é a Sua Igreja, que em união fraterna em torno do seu Senhor, testemunhará a verdade no amor, crescendo em tudo para aquele que é a cabeça. (cf. Ef 4,15)

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

“Se o sábado (“Shabbat”) celebrava a obra da Criação e tudo o que Deus fez pelo seu Povo, com o mistério pascal de Cristo dá-se a passagem para um tempo novo, e o primeiro dia a seguir ao sábado tornou-se o dia festivo, que celebra a alegria da aparição de Cristo aos seus, no domingo de Páscoa, trazendo o dom da paz e do Espírito.” – diz-nos o Papa S. João Paulo II na Carta Apostólica Dies Domini – sobre a santificação do Domingo, n. 18.

A Ressurreição é o acontecimento central e fundador da fé cristã. Com a Ressurreição e com a efusão do Espírito Santo no Pentecostes inicia-se a nova Criação, tal como o sopro divino de Deus havia comunicado uma alma a Adão na narração da Criação feita no livro do Génesis (cf. Gn 2,7).

Com o término das aparições do Ressuscitado, o Domingo surge como o oitavo dia, celebração da Ressurreição de Jesus e da salvação que nos é oferecida nas águas do Batismo, tornando-nos nova Criação, “homens novos” em Cristo, como havia dito a Nicodemos: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. Não te admires por Eu te ter dito: ‘Vós tendes de nascer do Alto.’” (Jo 3,5.7). Esta comunidade de “homens novos” é a Igreja de Cristo: agora os discípulos têm o Espírito de Deus, para poderem doar-se ao próximo em atitude de serviço, tal como Jesus se doou por todos.

A admissão à comunidade é feita pelo Batismo daqueles que ouvem o anúncio, e cabe à mesma comunidade acompanhar e reintegrar os que vacilam na fé e os pecadores. Das palavras e dos gestos de Jesus neste encontro, ressalta que a paz, o perdão e a reconciliação, desde logo a praticar entre os que constituem o núcleo da comunidade, são basilares no relacionamento dos cristãos. Certamente os discípulos recordaram-se do que Jesus lhes havia dito, “Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta.” (Mt 5,23-24). E a compreensão de que a comunhão com Cristo está ligada à comunhão com os irmãos é de tal forma significativa que a frase de Jesus “A paz esteja convosco” é repetida na Eucaristia, desde os ritos iniciais até aos ritos conclusivos. E antes da comunhão eucarística, no ritual romano, os fiéis são convidados a trocar o sinal da paz, vincando o carácter fraternal da assembleia eucarística dominical. (cf. Dies Domini, n. 44)

Ao mostrar o seu lado, de onde correu sangue e água (símbolos do Batismo e da Eucaristia), Jesus mostra, na condição de Ressuscitado, as marcas da Paixão, permitindo aos seus discípulos que o reconheçam e restabeleçam com Ele a relação de proximidade que tinham no passado.

A Ressurreição concretiza, pois, a nossa passagem para a vida de Deus. A Eucaristia é o sacramento e sinal da presença de Cristo Ressuscitado entre nós: Ele passou pela morte, mas está Ressuscitado e presente no mistério eucarístico, memorial da sua Páscoa. Ele é o pão vivo que desceu do céu para dar vida ao mundo (cf. Jo 6,33), e que, na última ceia, ao pronunciar a bênção sobre o pão e o vinho, o seu corpo e o seu sangue, entregues como sinal da nova e eterna Aliança, institui o gesto que os seus discípulos repetirão em Sua memória, dizendo, com alegria: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa Ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”

A experiência de encontro com o Ressuscitado, e da sua presença viva e operante entre nós, fazemo-la pessoalmente e comunitariamente, na Eucaristia, a “Páscoa da semana” que, ao permitir aos cristãos reviver a alegria que os Apóstolos tiveram no encontro com o Ressuscitado, torna-se também, de certa forma, o “Pentecostes da semana”, na medida em que cada um se deixe vivificar pelo sopro do Espírito Santo. (cf. Dies Domini, n. 28)

Assim se compreende que a Eucaristia não é simples memorial ou recordação, mas verdadeiro encontro com Cristo, e por isso a sua vivência deve dar frutos para a vida da comunidade cristã e do mundo.

O Domingo é dia de viver a alegria da fé, dia de acolher a Palavra, de renovar as promessas batismais na oração do Credo e de receber o Corpo do Senhor. Mas por vezes sentimo-nos interpelados pela dúvida, como Tomé: as dificuldades fazem-nos vacilar, não nos basta o testemunho e exigimos provas, temos tendência a fecharmo-nos e a tentar viver a fé de forma individual. Por isso, a presença da comunidade é importante, e é dentro da comunidade que Tomé acaba por fazer a experiência de encontro com Jesus Cristo, no oitavo dia, Dia do Ressuscitado, como o relato evangélico nos mostrou. Se não fomos salvos individualmente, mas enquanto membros do Corpo de Cristo, a fé não pode ser vivida apenas numa dimensão individual, pois “uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão” (1Cor 10,17). A vida de fé e a união da comunidade não só fortalecem cada um dos seus membros como tornam o seu testemunho credível perante o mundo. E esta é a dimensão eclesial da Eucaristia: “a celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no centro da vida da Igreja” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2177). No seio da comunidade fraterna, alimentados pela Palavra e pela comunhão do Corpo do Senhor e vivificados pelo Espírito, os crentes, na Paz do Senhor, irão cumprir a missão de O anunciar até aos confins do mundo e de viver o mandamento do amor fraterno.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

“Partilhar a Palavra e celebrar juntos a Eucaristia torna-nos mais irmãos e vai-nos transformando pouco a pouco em comunidade santa e missionária.” (Papa Francisco, Gaudete et Exsultate, n. 142)

Após a reflexão que efetuámos, tendo presente esta afirmação do Papa Francisco e a centralidade de Cristo Ressuscitado, que se revela aos seus no centro da comunidade reunida no Domingo, dia memorial da sua Ressurreição e dia de ação de graças e de celebração do mistério pascal, fonte e causa de salvação para o homem, procuremos responder:

  1. A comunidade é o lugar onde, através do encontro fraterno, nos gestos de acolhimento, perdão e partilha, se faz a experiência de encontro com o Ressuscitado e de onde se recebe a força para a missão de transformar o mundo.

Quem procura Cristo, encontra-o na nossa comunidade?

  1. O caminho da fé não é isento de dúvidas e dificuldades. Sabemos que faz parte do encontro com o Ressuscitado a fé e a dúvida, personificada por Tomé, para quem não foi suficiente o testemunho dos seus companheiros e a fé da sua comunidade.

Que tipo de crente sou eu, como é a minha caminhada na fé? Faço depender a minha fé de provas? Vivo-a de forma individualista, não integrando completamente a comunidade? Acredito porque fiz a experiência de Deus na minha vida, ou pelo testemunho de outros?

  1. O Domingo marca a vida da comunidade cristã desde o seu início. Jesus Ressuscitado, o Vivente, é o centro da comunidade, que na liturgia da Palavra e na liturgia Eucarística recebe as forças necessárias para enfrentar as dificuldades e as perseguições de cada tempo.

Para mim, o Domingo é de facto o dia do Senhor, da Eucaristia e da partilha da fé na comunidade?

O que significa, para mim, a Eucaristia?

  1. Santificar o Domingo é o terceiro Mandamento. É dia de fé e de esperança. Dia de caridade e de missão. Dia de reenvio para o mundo. Reduzir o Domingo ao cumprimento do preceito da Eucaristia é redutor da ação de graças que devemos ao Senhor por toda a Sua obra e por tudo o que operou a nosso favor.

Como vivo o Domingo, para além da celebração da Eucaristia?

Que tempo dedico à família, aos amigos e ao são descanso e lazer?

Participo de algum grupo de oração, ou faço algum apostolado ou voluntariado?

 

 

  1. Oração

 

Para o caminho, levamos este texto das Confissões de Santo Agostinho:

“Oh Senhor Deus, concede-nos paz, pois tudo o que temos é dádiva Tua. Concede-nos a paz do repouso, a paz do Sabat, a paz que não tem anoitecer. Porque esta ordem do mundo em toda a sua beleza passará. Todas estas coisas que são muito boas terão um fim quando o limite da sua existência for alcançado. Foi-lhes atribuída a sua manhã e a sua noite.

Naquele Sabat eterno, Tu descansarás em nós, tal como agora trabalhas em nós. O descanso de que desfrutaremos será Teu, tal como o trabalho que agora fazemos é o Teu trabalho feito através de nós.”

 

Terminamos rezando a oração que o Senhor Jesus nos ensinou: Pai-nosso…

  1. Oração

 

Louvado sejas pela Tua misericórdia para connosco. Sabes quem somos e até agora desististe de nós. Enviai sobre nós o vosso Espírito, para que a Palavra que vamos escutar e rezar, tenha efeitos práticos na nossa vida quotidiana, e outros se possam descobrir o Teu amor pelos nossos gestos de partilha.

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

Proclamação da Palavra

Atos 4,32-37

 

Os “Atos dos Apóstolos” são uma catequese sobre a forma como os discípulos assumiram e continuaram o projeto salvador do Pai e o levaram – após a partida de Jesus deste mundo – a todos os homens.

O texto que hoje nos é proposto pertence à primeira parte do Livro dos Atos dos Apóstolos. Faz parte de um conjunto de três sumários, através dos quais Lucas descreve aspetos fundamentais da vida da comunidade cristã de Jerusalém. Um primeiro sumário é dedicado ao tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida provocou no povo da cidade (cf. At 2,42-47); um segundo sumário (e que é exatamente o texto que nos é hoje proposto) refere-se sobretudo à partilha dos bens (cf. At 4,32-35); o terceiro trata do testemunho que a Igreja dá através da atividade miraculosa dos apóstolos (cf. At 5,12-16).

Naturalmente, estes sumários não são um retrato histórico rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da década de 30. Quando Lucas escreve estes relatos (década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos: Jesus nunca mais veio para instaurar definitivamente o “Reino de Deus”, e vislumbra-se desde já a aproximação das primeiras grandes perseguições… Há algum desleixo, falta de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque começam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas). Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a comunidade deve ser.

No versículo 33 diz-se que “os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor com grande poder”. Não se tratava dos prodígios feitos (não são esses que demonstram que Jesus está vivo); a verdadeira prova que todos podiam constatar era outra: era a vida completamente nova dos primeiros cristãos.

Segundo o nosso texto, essa vida apresentava duas características extraordinárias, absolutamente fora do comum: os seus membros «tinham um só coração e uma só alma» e «ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum» (v32).

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

Como será, então, essa comunidade ideal, que nasce do Espírito e do testemunho dos apóstolos?

Em primeiro lugar, é uma comunidade formada por pessoas muito diversas, mas que abraçaram a mesma fé (“a multidão dos que tinham abraçado a fé” – vers. 32a). A “fé” é, no Novo Testamento, a adesão a Jesus e ao seu projeto. Para todos os membros da comunidade, o Senhor Jesus Cristo é a referência fundamental, o cimento que a todos une num projeto comum.

Em segundo lugar, é uma comunidade unida, onde os crentes têm “um só coração e uma só alma” (vers. 32a) e da adesão a Jesus resulta, obrigatoriamente, a comunhão e a união de todos os “irmãos” da comunidade. Em terceiro lugar, é uma comunidade que partilha os bens. Da comunhão com Cristo resulta a comunhão dos cristãos entre si; e isso tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer tipo de egoísmo, de autossuficiência, de fechamento em si próprio e uma abertura de coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão concreta dessa partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum” – vers. 32b). Num desenvolvimento que explicita este “pôr em comum”, Lucas conta que “não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade” (vers. 34-35). É uma forma concreta de mostrar que a vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é “conversa fiada”; mas é uma efetiva libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso verdadeiro com o amor, com a partilha, com o dom da vida. Num mundo onde a realização e o êxito se medem pelos bens acumulados e que não entende a partilha e o dom, a comunidade de Jesus é chamada a dar exemplo de uma lógica diferente.

A primitiva comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e do Espírito, é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e definitiva. A fé dos discípulos, a sua união e, mais do que tudo, essa “ilógica” e “absurda” partilha dos bens eram a “prova provada” de que Cristo estava vivo e a atuar no mundo, oferecendo aos homens um mundo novo. A Cristo ressuscitado, os habitantes de Jerusalém não podiam ver; mas o que eles podiam ver era a espantosa transformação operada no coração dos discípulos, capazes de superar o egoísmo e a auto-suficiência e de viver no amor e na partilha. Viver de acordo com os valores de Jesus é a melhor forma de anunciar e de testemunhar que Jesus está vivo.

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

A comunidade cristã é uma “multidão” que abraçou a mesma fé; é uma família onde os irmãos têm “um só coração e uma só alma”, mas é sobretudo uma comunidade de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, da partilha, do serviço, do dom da vida… O cristão não pode, portanto, viver fechado no seu egoísmo, indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala na partilha dos bens… Uma comunidade onde alguns esbanjam os bens e onde outros não têm o suficiente para viver dignamente, será uma comunidade que testemunha, diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus veio propor? Será cristão aquele que, embora indo à igreja, só pensa em acumular bens materiais, recusando-se a escutar os dramas e sofrimentos dos irmãos mais pobres?

Fazendo uma catequese sobre os Atos dos Apóstolos, o Papa Francisco diz a certa altura: “A comunidade cristã nasce da superabundante efusão do Espírito Santo e cresce graças ao fermento da partilha entre irmãos e irmãs em Cristo. Há um dinamismo de solidariedade que constrói a Igreja como família de Deus, onde a experiência da koinonia é central. Que significa esta palavra estranha? É uma palavra grega que significa «pôr em comum», «partilhar», ser uma comunidade, não se isolar… Na Igreja das origens, esta koinonia, esta comunidade refere-se sobretudo à participação no Corpo e Sangue de Cristo. Por esta razão, quando fazemos comunhão declaramos, “comunicamos”, entramos em comunhão com Jesus e desta comunhão com Jesus chegamos à comunhão com os nossos irmãos e irmãs. E esta comunhão com o Corpo e Sangue de Cristo que se faz na Santa Missa, traduz-se em união fraterna, e portanto também com o que é mais difícil para nós: partilhar os bens e recolher dinheiro para a coleta a favor da Mãe Igreja de Jerusalém (cf. Rm 12, 13; 2 Cor 8-9) e para as outras Igrejas. Se quiserdes saber se sois bons cristãos, deveis orar, procurar aproximar-vos da comunhão, do sacramento da reconciliação. Mas o sinal de que o vosso coração se converteu é quando a conversão chega aos vossos bolsos, quando toca o vosso interesse: é nisso que se vê se alguém é generoso com os outros, se alguém ajuda os mais débeis, os mais pobres: quando a conversão chegar lá, tendes a certeza de que é uma verdadeira conversão”.

Um exemplo concreto da partilha e da comunhão dos bens vem-nos do testemunho de Barnabé: ele possui um campo e vende-o para entregar os proventos aos Apóstolos (cf. At 4, 36-37).

As múltiplas experiencias de partilha fraterna provocadas pelas JMJ foram verdadeiramente gestos luminosos de amor, que provocaram em muitos cristãos e não só, grandes interrogações. É que houve famílias que acolheram em suas casas três, quatros e cinco jovens e adultos, irmãos desconhecidos vindos da Europa, da Ásia, da África e da América. Deram-lhes dormida e alimentação e alguns até lhes cederam a chave da sua casa, durante o tempo que permaneceram na diocese.

Mas na Igreja sempre aconteceram os gestos de despojamento de coisas desnecessárias para dar aos necessitados; muitos são ainda hoje os cristãos que fazem voluntariado partilhando o seu tempo com os doentes, os idosos, os deficientes, as viúvas, as crianças, os presos.

São inúmeros os cristãos que, sem estarem à espera de condecorações ou de benefícios fiscais, partilham o seu dinheiro e tempo com instituições de solidariedade social, associações de bombeiros, banco alimentar contra a fome, cáritas, Ajuda à Igreja que Sofre etc. etc.

Existem ainda grupos de cristãos (para além dos que vivem nos conventos) que voluntariamente põem em comum alguma parte dos seus vencimentos mensais, para satisfazerem as necessidades dos mais pobres.

Certamente também os que aqui nos reunimos para este encontro à volta da Palavra de Deus, já experimentámos muitos momentos de partilha e solidariedade, sob pena de desdizermos na vida, o que celebramos em cada Eucaristia, onde Cristo se parte e reparte, para que possamos ter vida em abundância.

A este respeito pedia-vos alguns momentos de silêncio para refletirdes sobre as palavras de S. João Crisóstomo (séc. IV): “Quando pretendemos honrar alguém, devemos prestar-lhe a honra que ele prefere e não a que mais nos agrada. Assim deves também tu prestar a Cristo a honra que Ele mesmo ordenou, distribuindo pelos pobres as tuas riquezas. Deus não precisa de vasos de ouro, mas de almas de ouro”.

Será que até agora nos temos preocupado, cada um a seu modo, com a vida da paróquia nos seus diferentes aspetos (água, luz, telefone, limpeza, embelezamento, conservação e reconstrução)? Alguns sim, outros talvez não…

E com os irmãos necessitados, o que temos procurado fazer? Sabemos quem são, onde residem, quais as suas necessidades? Temos partilhado com alguns o pão para a boca, mas também o pão da Palavra ou até mesmo a comunhão eucarística?

 

 

  1. Oração

 

Senhor, nosso Deus, que nos reuniste uma vez mais para escutarmos a Tua Palavra e confrontarmos a nossa vida com ela, dai–nos a graça de participarmos em cada eucaristia com uma nova postura, de tal modo que a partilha entre os irmãos e os mais carenciados da nossa paróquia, seja um sinal claro de que estás vivo entre nós.

  1. Oração

 

Cremos, Senhor Jesus, que estás presente em todas as circunstâncias da nossa vida. Não és indiferente à nossa história, às nossas lutas de todos os dias, aos nossos fracassos, aos nossos sofrimentos, mas não atuas como um mágico com a sua varinha de condão para conduzir tudo ao nosso gosto. Atuas com a tua Palavra que ilumina, orienta e sustenta a nossa esperança, sobretudo na Eucaristia dominical. Dá-nos um coração pronto para escutar e pôr em prática a tua Palavra: PAI NOSSO.

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

Proclamação da Palavra

Apocalipse 19,5-10

 

Ao escutar este texto, deparamos com elementos que são típicos das nossas celebrações litúrgicas: aclamações, fragmentos de hinos de louvor e um clima de festa. Reparemos agora com mais atenção no texto. Para começar, há o convite ao louvor feito por uma voz celestial (v. 5), que recebe como resposta a alegria da grande assembleia, expressa na aleluia (v. 6) que vem sendo repetida desde o início do capítulo (v. 3 e 4), em que se inicia a celebração da vitória de Cristo, o Cordeiro imolado e ressuscitado que levou de vencida as forças do mal presente no mundo. De alguma maneira, podemos dizer que estamos perante a doxologia final duma celebração eucarística, proclamando um hino de glória ao Senhor Ressuscitado, o Cordeiro, a grande figura, que domina do princípio ao fim do livro (o termo Cordeiro aparece 29 vezes). Como se depreende facilmente, trata-se de uma celebração litúrgica celeste, transbordando de alegria pelas núpcias do cordeiro, com uma multidão de convidados, ou seja, com a esposa, a nova Jerusalém, que representam a Igreja. Esta é a autêntica celebração litúrgica onde se “escutam” as verdadeiras palavras do próprio Deus (v. 9). É para esta autêntica celebração, ou seja, para as núpcias do Cordeiro, que o autor do Apocalipse faz convergir toda a sua leitura sobre a história da vida da Igreja de então, mergulhada na luta da fé contra o ambiente político e religioso hostil, simbolizado na prostituta – a Babilónia, ou seja, o poder imperial de Roma – que incarna o poder do dragão, a besta, apostada em destruir o poder salvador de Cristo, incarnado na Igreja. Esta luta da fé é descrita muito simbolicamente no bloco literário de 4-18.

Ora toda esta visão da história de então, feita a partir de Deus e de Jesus Cristo, que ele designa como revelação ou profecia (Ap. 1,1-2), é recebida por João na ilha de Patmos, no “dia do Senhor” (Ap, 1,10), ou seja, no dia em que a comunidade cristã se reunia para celebrar a Ceia do Senhor (cf. 1Cor 16,2; Ap. 20,7). Este “dia do Senhor” é o primeiro dia da semana dos Evangelhos (cf. Mt 28,1-10; Mc. 16,1-18), dia em que o Senhor Ressuscitado se faz presente aos seus discípulos. Por isso, já em escritos do séc. II, não distantes cronologicamente do Apocalipse (Didaké, 14,1; Inácio de Antioquia, na Carta aos Magnésios, 9,1), o primeiro dia da semana começa a chamar-se o “dia do Senhor” (dies dominica) ou pura e simplesmente domingo, dia da Eucaristia.

Não é, pois, de estranhar que João tome a Eucaristia como o espaço privilegiado para “escutar” o que o Senhor tem a dizer à sua Igreja, reunida em assembleia, sobre os acontecimentos que estão a ser vividos. O convite à escuta está logo em Ap 1,3 e é repetido no final de cada assembleia das 7 Igrejas, como o apelo a quem tem ouvidos “que ouça” (Ap 2,7; 2,11; 2,17; 2,29; 3,6; 3,13; 3,22). Não falando propriamente do ritmo de uma celebração, há vários elementos no nosso texto que nos levam a pensar na Eucaristia do domingo. Há leitor, há o Ressuscitado (o Cordeiro) que é a figura central e há uma assembleia com que Ele dialoga e convida a dar testemunho (v. 10), há convite à adoração (v. 10), há aclamações de louvor (6-8). Aliás o nosso texto está em total consonância com o caráter litúrgico do Apocalipse, a começar pela introdução (1,1-8) e a terminar no epílogo (22,6-21). Em primeiro lugar, esta sua mensagem recebida no dia do Senhor é enviada às Sete Igrejas, reunidas em assembleia. É aqui que se “escuta” o Cordeiro imolado que conhece a situação concreta de cada comunidade, que interpela e apela à conversão. É Ele que faz luz sobre a história particular de cada uma, especificando o positivo e negativo que as caracteriza, animando-as a não se deixarem dominar pela força do ambiente (Ap 1-3). Depois, a partir de 4,1, que assinala o início da 2ª parte do Apocalipse até final é como que uma celebração litúrgica em que a vida da comunidade cristã considerada em geral, com as suas aspirações e também com os seus desânimos, provocados pela ameaça constante da perseguição é posta de modo muito existencial perante o Senhor Ressuscitado, sob o símbolo do Cordeiro imolado, que está presente na Igreja como o único Senhor a quem seguir e não outros, como o imperador que impunha a todos o culto da sua imagem. Houve mesmo os que se negaram declaradamente a prestar culto ao imperador e seus representantes, arriscando a sua vida pelo Senhor Jesus – os muitos mártires.

A “escuta” do Senhor ressuscitado que foi o primeiro a percorrer o caminho do martírio que passando pela morte chegou à meta do triunfo sobre o mal e à realização plena do Reino de Deus, leva a que saiam da celebração convincentes de que, seguindo os passos de Cristo, terão participação no triunfo do Cordeiro, nas “suas núpcias”. Como fonte da escuta aparecerão as “boas obras” (19,8), que são o testemunho de Cristo (19,40), certos de que lhes está reservada a felicidade, como diz Lucas (11,28): “felizes os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”.

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

A liturgia do nosso texto (19,1-10) é uma liturgia celeste, ou como também se diz, escatológica. Quer isto dizer que se trata de uma liturgia que está já para além deste tempo que é o nosso, em que o mal já não conhece qualquer vitória. No centro dessa liturgia está a vitória do Cordeiro e definitivamente do Reino de Deus, e por isso, o ambiente de uma alegria transbordante. Ao dizer-se que ela é celeste, não se quer dizer que seja um mito ou mais uma historieta para nos fazer evadir da realidade, mas uma realidade fundada na fé numa pessoa que viveu uma vida humana comprometida com a irradicação do mal e que alimenta a esperança de uma vida totalmente liberta – a vida eterna com Cristo. Ora bem é esta liturgia celeste que João projeta na história atribulada daqueles que se reúnem para celebrar a fé. É o Cristo da liturgia celeste, vitorioso sobre o mal, que se faz presente como um companheiro dos seus, para que, como Ele, saiam também vitoriosos no combate da fé. Sem esta certeza da sua presença, as suas reuniões seriam vazias de sentido, para não dizer inúteis.

É nesta ordem de ideias que o Concílio Vaticano II (Lumen Gentium, 8) ao falar da Igreja, permite-nos estabelecer a íntima relação da liturgia terrestre com a liturgia celeste, quando diz que “não devem considerar-se coisas diversas, mas constituem uma realidade única e complexa em que se fundem dois elementos, o humano e o divino” (cf. LG 35; 48; 50-51; CIC, capitulo VI).

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Assim sendo, temos que olhar para as celebrações das nossas eucaristias focando-nos nesta certeza que une as duas celebrações: a nossa celebração e a celebração celeste das núpcias do Cordeiro. Temos que nos questionar: Como vamos para a Eucaristia dominical? Não iremos totalmente desligados da corrente que vem do alto? Se tal acontece, adulteramos de todo o sentido da Eucaristia nas nossas vidas, pelo que facilmente ela deixará de ser um momento imprescindível na agenda da nossa vida.

Quando pode isso acontecer? Quando colocamos no centro da nossa atenção o padre A ou o padre Z, que fala muito bem, que faz umas homilias interessantes para o meu gosto pessoal ou ao jeito do meu “grupinho”, a que até posso chamar comunidade; quando vamos à Eucaristia a tal igreja, porque lá se canta muito bem, uma música viva, moderna ou porque me encontro lá com os meus amigos com que damos duas lérias e combinamos uma almoçarada; quando pomos acima de tudo os nossos afazeres, os nossos divertimentos e, por isso, só lá vamos quando, como dizemos, tenho tempo ou me apetece(!). Fixando-me agora mais em mim mesmo: não acontecerá que eu vá de coração fechado, em nada disposto a converter-me? Não acontecerá que pense mais nos outros quando “escuto” a Palavra de Jesus do que em mim mesmo, no que Ele tem a dizer à minha história pessoal?

Quando tiro Cristo vivo e a sua Palavra do centro da Eucaristia e coloco lá a figura do padre e os interesses pessoais, estou a desligar-me totalmente da liturgia celeste, que é o paradigma das nossas eucaristias.

 

 

  1. Oração

 

Nós Te damos graças, Senhor Jesus, porque estás no meio de nós para fazer luz na nossa vida, por vezes com densas trevas, que nos desnorteiam e fazem esmorecer a nossa fé. Faz-nos particularmente olhar para a Eucaristia dominical como um momento de encontro existencial com a Tua Palavra e com os irmãos na fé e levar para a vida os desafios que nos deixas, a fim de fazer de nós testemunhas audazes da fé, sem medo do que pensem os outros ou defendam em público, sobretudo nos meios de Comunicação Social. Nós Te pedimos por meio da Tua Mãe, a Nossa Senhora: Ave Maria.

  1. Oração[1] 

 

Senhor Jesus Cristo,

Pão vivo descido do céu:

Olhai para o povo do vosso coração

que hoje vos louva, adora e bendiz.

Vós que nos reunis em redor da vossa mesa

para nos alimentardes com o vosso Corpo

concedei que, superando toda a divisão, ódio e egoísmo,

nos unamos como verdadeiros irmãos,

filhos do Pai do céu.

Enviai-nos o vosso Espírito de amor

para que, procurando caminhos de fraternidade:

paz, diálogo e perdão,

ajudemos a sarar as feridas do mundo.

Por Cristo, nosso Senhor.

Amen

 

 

  1. Leitura da Palavra de Deus

Depois de feito o registo nas próprias Bíblias, um leitor proclama calmamente a Palavra. A seguir, cada um lê para si próprio, em silêncio, a mesma leitura, a fim de a interiorizar. As Bíblias devem estar fechadas enquanto se faz a proclamação.

Proclamação da Palavra

Mateus 23, 8-12; 6, 9-13

 

A frase do Mestre: «Todos vós sois irmãos» (Mt 23,8) exorta os seus discípulos a tomar consciência da sua relação fraternal como filhos do mesmo Pai. A comunidade dos crentes, por vocação divina, é chamada a alicerçar as suas relações humanas no amor fraterno, laços de fraternidade que devem ser sinal de esperança para um mundo fragmentado, um bálsamo necessário para sarar as feridas.

A ferida aberta pelo pecado fez com que Adão rompesse o diálogo com Deus e os laços da fraternidade fossem manchados pelo sangue de Abel. Aquela ferida foi curada pelo Filho de Deus com a sua morte e ressurreição, cujo memorial celebramos na Eucaristia, ceia pascal da nova e eterna aliança. O Pai amou tanto o mundo que entregou o seu Filho e o Filho tornou-se dom de amor até a morte e morte de cruz (cf. Fl 2,8). A eternidade do amor entrou na história.

O homem já não precisa de se esconder do olhar de Deus com folhas de figueira. A clareza da luz do dia do amor de Cristo restabelece o diálogo e a comunhão de Deus com a humanidade. A ceia pascal é o novo Éden onde o homem é finalmente um verdadeiro filho que se senta à mesa do Reino. E, ao mesmo tempo, a Eucaristia transforma-se no cenáculo de fraternidade porque nos une ao Filho que se torna pão e cálice de bênção, tornando-nos irmãos: «Visto que há um só pão, nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo, porque participamos do mesmo pão» (1 Cor 10,17).

O egoísmo que envenenou o coração de Adão e manchou de sangue as mãos de Caim foi vencido pelo Filho de Deus feito homem. No banquete eucarístico, Cristo, com o pão nas mãos, dirige a sua oração de ação de graças ao Pai, redimindo toda a imagem distorcida de Deus como inimigo do homem. E partindo o pão e dando-o aos seus discípulos, cura a fraternidade ferida. A Eucaristia é, na realidade, a cura do nosso amor. Na oração de Cristo todos temos um lugar especial porque todos somos chamados à comunhão: «Pai, para que eles sejam todos um» (Jo 17,21). E, ao mesmo tempo, este novo “nós” da Eucaristia não fica fechado num cenáculo: o amor eucarístico transborda para curar as feridas do mundo, orientando-nos para o serviço mútuo ao próximo concreto e visível.

Através da sua Igreja peregrina entre tantos povos, o Mestre recorda à sociedade contemporânea: «Todos vós sois irmãos» (Mt 23,8).

 

 

  1. Meditação da Palavra

 

O primeiro capítulo do documento base do 53º Congresso Eucarístico Internacional abre com a pergunta de Deus a Caim: “Onde está o teu irmão Abel?” (Gn 4, 9). Pergunta que nos remete para a vocação da nossa filiação e fraternidade. Somos filhos do mesmo Pai e irmãos entre nós. A nossa fraternidade está enraizada na paternidade de Deus.

Logo no início, a suspeita sobre a bondade de Deus instalou-se nos corações de Adão e Eva (cf. Gn 3, 1). Depois do pecado, o diálogo filial com Deus torna-se um silêncio de dúvida e distanciamento. O Éden deixa de ser terra de encontro e de diálogo e torna-se lugar de esconderijo e de culpa (cf. Gn 3,10). Assim, o pecado fraturou a comunhão com Deus, a comunhão fraterna e a comunhão com a criação.

O homem foi ferido na sua própria identidade de Filho e Irmão. Foi desfigurado. Os outros não só deixaram de ser irmãos, mas tornaram-se inimigos e continuamos a magoar-nos uns aos outros de muitas maneiras. Felizmente, dentro das nossas comunidades e sociedade cristãs há muitos que, com o seu testemunho, as suas lágrimas, os seus sacrifícios, a sua dedicação, continuam a deixar na história um legado de fraternidade que inspira e cativa.

A história da humanidade foi abraçada pela história do pão no mistério pascal de Cristo. O nosso mundo ferido não foi abandonado à sua sorte, mas mereceu uma cura infinitamente maior para a sua ferida. “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20). Deus curou-nos e tornou-nos seus filhos, assumindo a nossa natureza, no Filho, para que possamos participar da sua própria natureza.

Precisamente onde a ferida do pecado construiu o reino da morte, Deus faz brotar a vida da ferida no lado de Cristo (cf. Jo 19,34). As feridas abertas de Cristo crucificado estão no centro da história, a ferida do amor que cura as outras feridas da divisão, do ódio e do egoísmo que desfiguram as nossas existências, tirando a nossa identidade de filhos e irmãos. Assim, o Verbo, o Lógos de Deus, ao tornar-se homem, redimiu toda a criação porque o ser de Deus é criar e salvar. No centro da história, a Eucaristia é a cura para o mundo ferido na fraternidade.

Onde o pecado nos fez não nos reconhecermos como irmãos e nos colocou numa relação de oposição e rivalidade, a Eucaristia faz-nos sentar à mesma mesa do Corpo e do Sangue de Cristo como filhos do mesmo Pai e, portanto, irmãos entre nós. Esta fraternidade realizada em Cristo, para ser verdadeira, deve ser universal, isto é, deve abraçar “os últimos” que são os excluídos, as vítimas, os pobres, as mulheres, os indígenas, as crianças e os idosos, os doentes, as massas, os restos, os que não têm voz nem contam nem na sociedade nem na Igreja, os rostos sofredores, os insignificantes, os “ninguém” que, no entanto, serão os nossos juízes no último dia e com os quais o Senhor se identifica.

A ação curativa de Cristo enfrenta as realidades dramáticas que questionam esta veracidade. Se o que dissemos até agora é verdade: como é que continuamos sob o estigma de Caim, porque é que o mundo ainda está em guerra, por que não conseguimos sair da pandemia social da violência? E a nossa única resposta afirma que desde a Encarnação do Filho de Deus foi desmantelado o enigma do desejo violento da humanidade, não porque anule o dinamismo da imitação que constrói as sociedades, mas porque o canaliza para a verdadeira imitação, a saber: não a imitação do carrasco, nem da vítima rancorosa, mas a imitação da vítima que perdoa, que é Cristo, o Filho de Deus, o Cordeiro de Deus. Os cristãos, todos os domingos, na celebração eucarística, têm diante de si o Crucificado, Aquele que oferece a sua vida por Amor, Aquele que se parte e se partilha, Aquele que perdoa os seus algozes. Nem uma palavra de vingança, nem um gesto a amaldiçoar.

A história de Jesus ensina-nos que o caminho da fraternidade exige humildade radical e ternura absoluta para com os outros e para com toda a criação. A humildade implica reconhecer o húmus da nossa humanidade, naquela lama todos nos encontramos e reconhecemos como irmãos e irmãs. A partir desse húmus unimo-nos, ternamente, a toda a criação. Por isso é necessário despojarmo-nos de todos os títulos de superioridade, resquícios de um antropocentrismo ímpio que destruiu a Casa Comum. Conscientes da nossa pobreza, seremos mais irmãos da terra, do fogo, do ar, da água e dos animais, respeitando todas as formas da vida. A fraternidade humana passa por esta fraternidade cósmica.

Os crentes vivem, experimentam e realizam a ação de comungar com o caminho aberto por Jesus Cristo, ou seja, o ato de amar colocando a própria vida em primeiro lugar. Assim, o Ressuscitado permite celebrar a Eucaristia não nas lágrimas do túmulo, mas na alegria de um mundo novo onde é possível celebrar a reconciliação como um dom que transforma as relações fratricidas numa comunidade de irmãos. Depois, a força curativa da Eucaristia joga-se no testemunho dos cristãos, em ser aquela comunidade fraterna, aquela Igreja em saída que vive o mandamento de Cristo que ressoa em cada celebração eucarística: “Fazei isto em memória de mim” (1Co 11, 24).

 

 

  1. Iluminação da vida pela Palavra

 

Assim como na assembleia de Jerusalém, Tiago, Pedro e João apertaram a mão de Paulo e Barnabé em sinal de reconhecimento, comunhão e missão, com a oração «que nos lembrássemos dos seus pobres» (Gl 2,10), assim nós também o fazemos em cada Eucaristia.

A resposta que Deus Pai oferece ao anseio de fraternidade humana é a pessoa de Jesus Cristo que se fez por amor o Pão da Vida, para curar as feridas do mundo. Por isso, a Igreja deve estar sempre em saída e renovar a fecundidade da sua ação evangelizadora, reconhecendo o Corpo de Cristo no corpo maltratado do próximo, do último e do mais pequeno, do que sofre na sua humanidade, colocando-se ao serviço com os mesmos gestos e palavras de vida, proximidade, amor e dignidade que Cristo teve pelos mais pequenos. Só assim a Eucaristia continua a ser Palavra e Pão de vida para curar as feridas dos mais pequenos e esquecidos da história.

O cardeal Jorge Mário Bergoglio, quando era arcebispo de Buenos Aires, pregava que a Eucaristia é o selo do amor de Deus em nós e, através de nós, para os mais pequenos: «Que o pão dividido transforme as nossas mãos vazias em mãos cheias, com essa medida “calcada, sacudida, a transbordar” (Lc 6,38), que o Senhor promete ao que é generoso com os seus talentos. Que o doce peso da Eucaristia deixe a sua marca de amor nas nossas mãos para que, ungidas por Cristo, se tornem mãos que acolhem e contêm os mais frágeis. Que o calor do pão consagrado arda nas nossas mãos com o vivo desejo de partilhar tão grande dom com todos os que têm fome de pão, de justiça e de Deus».

A Igreja é o sacramento universal da salvação na medida em que está unida a Cristo.  Se Cristo é comunhão, também a Igreja é comunhão, não só entre os homens, mas «por Cristo, com Cristo e em Cristo» é comunhão com o eterno amor trinitário de Deus. A Igreja, nascida do Coração de Cristo, é enviada para gerar essas novas relações fraternas no amor eucarístico, que inclui a todos sem deixar ninguém de fora. Ao mesmo tempo, a Eucaristia é o altar do mundo onde se eleva a boa ação de graças a Deus e se renova a aliança pela vida e custódia de toda a criação.

Rezar o Pai Nosso na Eucaristia ajuda-me a sentir-me irmão de todos? O que vamos fazer para que o Pai Nosso seja a força inspiradora da ação pastoral da nossa comunidade cristã? Como fazer para que as nossas celebrações eucarísticas sejam expressão e escola de fraternidade?

A tua comunidade é um testemunho atraente de fraternidade? Quais são os testemunhos quotidianos de fraternidade na tua comunidade, na sociedade, na Igreja? Diante das feridas ainda abertas no nosso ambiente social, cultural, político, etc., o que devemos fazer para as tratar?

Até que ponto a alegria de te encontrares com o Senhor na Eucaristia é também a alegria de ir ao encontro dos irmãos distantes? Quais as ações específicas que se devem empreender na tua comunidade para integrar aqueles que não frequentam a celebração eucarística, não os abandonando à sua sorte?

 

 

  1. Oração

 

Em comunhão com a Virgem Maria, mulher “eucarística”, unamo-nos a todos os seres humanos e, tornados voz de todas as demais criaturas, da nossa casa comum elevemos este Salmo da fraternidade:

Nações, povos, territórios, gentes!

Vizinhos, amigos e famílias,

feridos e amargos, divididos e dispersos,

triste pólvora que tantos mata,

drogas que sufocam a vida e o canto…

 

Perdoa, Senhor, a minha intransigência,

sinal incoerente do meu barro

que me afasta do humano e do divino,

que quebra a fraternidade e te entristece,

discreta presença no pão e no vinho.

 

Sangue humano derramado por homens

é sangue fraterno de confrontos homicidas.

Olha, Senhor, benevolente e grande

a mente perdida, o coração dilacerado,

os lábios que imploram aceitação:

encontrem refúgio no teu coração que ama.

Perdoa, Senhor, os meus egoísmos,

a ternura que se esconde,

a dor que me acutila

és tu quem a assume na cruz,

discreta presença no pão e no vinho.

 

Ajuda-nos, Senhor, a ser Igreja,

no caminho sinodal, sempre irmãos

e já sem ódio, egoísmo ou rancor

saboreemos a intimidade do diálogo e do amor,

o teu bálsamo que cura as feridas,

as feridas do mundo que clamam por ti.

Por Cristo, nosso Senhor.

[1]        Os textos foram tirados e adaptados de Pontifício Comité para os Congressos Eucarísticos Internacionais, Fraternidade para Curar o Mundo. «Todos vós sois irmãos» (Mt. 23, 8), Fátima 2023.