Nelson Faria, sj
Partilhar mesa é um gesto simples e familiar. É sinal de acolhimento e comunhão. Ao longo da nossa história, diferentes povos assinalaram o estabelecer de alianças com refeições e as grandes festas das nossas vidas implicam comida porque é algo, simultaneamente, íntimo e essencial.
É à mesa que a vida se dá. É à mesa que damos vida uns aos outros. E no centro da nossa fé está a Eucaristia, sinal da mesa partilhada por Jesus quando anuncia a Boa Nova, sinal instituído na Última Ceia, sinal somente compreendido quando temos em conta as refeições do Ressuscitado.
A Eucaristia tem uma tríplice origem bíblica: as refeições de Jesus durante a sua pregação; a Última Ceia, celebrada antes de Jesus ser entregue; as refeições do Ressuscitado com os discípulos. Absolutizar uma delas – ou prescindir duma – é empobrecer o nosso entendimento da Revelação e até a nossa relação com Deus. É por isso conveniente entrar no seu mistério.
As refeições de Jesus foram motivo de escândalo e um sopro de ar fresco. Ao sentar-se com pecadores – a ação de Jesus mais vezes referida no Evangelho – ele desafia a separação puro-impuro, trazendo para a comunhão do Reino aqueles que Israel desprezava e excluía. Este partilhar de mesa com os pecadores é antecipação do Reino, é sinal do acolhimento dos pecadores por Deus. Por isso é que esta abertura de mesa nos leva à ação de graças – raiz etimológica da palavra «eucaristia» –, a um coração agradecido.
Quanto à Última Ceia, é a proximidade à morte de Jesus que a torna incomparável com qualquer outra refeição anterior, singularidade expressa no pedido que Jesus faz aos seus amigos: «fazei isto em memória em mim». Os seus gestos e palavras durante a Última Ceia expressam um desejo claro: «vivam como Eu vivo, tornem-se alimento, sejam alimento, sirvam os irmãos, amem até ao fim».
Os quatro verbos fundamentais desta noite – tomar, dar graças, partir, repartir – são antecipação da entrega da sua vida na cruz e da doação do seu corpo como alimento e dom para a comunidade. Quatro verbos que, acrescidos da partilha do cálice, sublinham a comunhão fraterna no momento da despedida e o desejo de tomar parte no destino de Jesus, ganhando a forma de Cristo.
Mas toda esta carga salvífica só pode ser verdadeiramente assumida e compreendida a partir dos encontros com o Ressuscitado. As aparições do Ressuscitado tendem a ser atos comunitários, um indício da centralidade da prática eucarística nas primeiras comunidades. E não somente atos comunitários, mas quase sempre refeições. O Ressuscitado é plenamente acolhido e compreendido com refeições, sendo as mais conhecidas Emaús (Lc 24, 30) e a pesca milagrosa em João (Jo 21, 12).
O quadro das aparições é relativamente semelhante: há um certo desnorte dos discípulos; não reconhecem Jesus até se abrirem os olhos da fé; Jesus renova-os com o seu amor. É fácil associar-nos a este panorama, pois também nós temos dificuldade em encontrar caminho e em reconhecer Jesus. Contudo, sentados à mesma mesa, novamente reunidos depois da fuga, da traição, da queda, o pão partido e a comunhão permitem-nos reconhecer como o Ressuscitado está entre nós.
A Eucaristia é uma refeição de reconciliação, um manjar oferecido para a comunidade pecadora e reconciliada. A Eucaristia reúne os amigos de Jesus para celebrar a presença do Ressuscitado, uma presença que cura e nos dá paz. Na Eucaristia ganhamos a forma daquele que se oferece como alimento alimentando-nos d’Ele. E, uma vez saciados pelo pão da vida, somos convidados a oferecer as nossas vidas como alimento, reconhecendo-nos enviados a um mundo de coração ferido.
Na Eucaristia é todo o mistério da vida, morte e ressurreição de Cristo que celebramos. É o Evangelho inteiro o que está em causa. Pelo que devemos viver as nossas vidas vivendo a abertura de mesa, oferecendo-nos como alimento e deixando-nos guiar pela luminosidade da Ressurreição. É na Eucaristia que ganhamos esta forma, a qual não se adquire pelo muito pensar, mas por plenamente a viver.
In Mensageiro do Coração de Jesus, março de 2024