Mistério da fé – IV

Mons. Domingos Silva Araújo 

 A propósito da celebração da Eucaristia transcrevo um testemunho de S. Justino, do século II:

 1. «A ninguém é permitido participar na Eucaristia senão àquele que, admitindo como verdadeiros os nossos ensinamentos e tendo sido purificado pelo Batismo para a remissão dos pecados e a regeneração, levar uma vida como Cristo ensinou. Porque não é pão ou vinho vulgar o que recebemos. Com efeito, assim como Jesus Cristo, nosso Salvador, Se fez homem pelo Verbo de Deus e assumiu a carne e o sangue para nossa salvação, assim também nos foi ensinado que o alimento sobre o qual foi pronunciada a ação de graças com as mesmas palavras de Cristo, e do qual, depois de transformado, se alimenta o nosso sangue e a nossa carne, é a própria Carne e Sangue de Jesus encarnado.

 2. Os Apóstolos, nos seus comentários, chamados Evangelhos, transmitiram-nos que foi Jesus quem assim os mandou fazer, quando Ele, tomando o pão e dando graças, disse: Fazei isto em memória de Mim. Isto é o meu Corpo; e tomando igualmente o cálice e dando graças, disse: Este é o meu Sangue; e somente a eles foi comunicado. Desde então, nunca mais deixámos de trazer isto à memória uns dos outros; e os que possuímos bens socorremos a quem deles tenha necessidade; e perseveramos sempre unidos uns com os outros. Em todas as oblações louvamos o Criador do universo por Jesus Cristo, seu Filho, e pelo Espírito Santo. 

 3. No dia do Sol (o domingo), como é chamado, reúnem-se num mesmo lugar os habitantes, quer das cidades, quer dos campos, e lêem-se, na medida em que o tempo o permite, ora os comentários dos Apóstolos, ora os escritos dos Profetas. Depois de terminada a leitura, o que preside toma a palavra para aconselhar e exortar os presentes à imitação de tão sublimes ensinamentos. A seguir, pomo-nos todos de pé e elevamos as nossas preces e, como já dissemos, logo que as preces terminam, apresenta-se pão, vinho e água. Então o que preside eleva, com todo o fervor, preces e ações de graças, e o povo aclama: Amen. Seguidamente, a cada um dos presentes se distribui e faz participante dos dons sobre os quais foi pronunciada a ação de graças, e dos mesmos se envia aos ausentes por meio dos diáconos. Os que possuem bens em abundância dão livremente o que lhes parece bem, e o que se recolhe põe-se à disposição daquele que preside. Este socorre os órfãos e viúvas e os que, por motivo de doença ou qualquer outra razão, se encontram em necessidade, assim como os encarcerados e os hóspedes que chegam de viagem; numa palavra, ele toma sobre si o encargo de todos os necessitados. 

 4. Reunimo-nos todos precisamente no dia do Sol, não só porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, criou o mundo, mas também porque Jesus Cristo, nosso Salvador, nesse dia ressuscitou dos mortos. Crucificaram-n’O na véspera do dia de Saturno: e no dia a seguir a este, ou seja, no dia do Sol, aparecendo aos seus Apóstolos e discípulos, ensinou-lhes tudo o que também nós vos propusemos como digno de consideração». 

 5. Nota: Filósofo, S. Justino nasceu por volta do ano 100 na antiga Siquém, em Samaria, na Terra Santa. Fundou em Roma uma escola onde, gratuitamente, iniciava os alunos na nova religião, considerada como a verdadeira filosofia. Foi decapitado por volta do ano 165 sob o reinado do imperador Marco Aurélio. No texto que transcrevi saliento a partilha voluntária de bens; a ligação da Eucaristia à prática do amor fraterno; ao serviço da caridade para que os Apóstolos escolheram os diáconos, encarregando-os do serviço às mesas (Atos dos Apóstolos 6, 1-7).