Os cinco atos da história da salvação

Nelson Faria, sj

Algumas das nossas primeiras memórias são histórias contadas pelos pais ou pelos avós. Nós precisamos de histórias, pois são elas que nos inspiram a ultrapassar barreiras e a arriscar uma vida com sentido.

A grande aventura humana, a história de todas as histórias, encontra-se na Sagrada Escritura. As histórias bíblicas ajudam-nos a cair na conta de que somos protagonistas de uma história muito maior: a história da salvação.

Nós escutamos a Sagrada Escritura em cada Eucaristia para crescermos na consciência de quem somos chamados a ser. É bom que visitemos, revisitemos e nos apropriemos da Bíblia, para que ela liberte a nossa imaginação e nos mostre a nossa própria história.

Lida à luz da revelação em Cristo, podemos apresentar toda a história da salvação em cinco atos: Criação, Queda, Israel, Messias e Igreja. Estes não são estanques, como se ao fechar um ato ele pudesse ser dispensado, pois o Senhor continua a criar, nós continuamos a tropeçar, Israel segue o seu caminho de fidelidade a Deus e o Messias anima a Igreja através do seu Espírito. Estes atos servem como marco que nos ajuda a ver o todo.

O primeiro ato – Criação – apresenta-nos os protagonistas: Deus, que tudo dá; o mundo, que é bom; o ser humano, que é muito bom, que recebe a missão de cuidar da criação, e é livre. Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano será sempre imagem de Deus, pois nada pode alterar o facto de que é criado por amor, em amor e para amar. Mas pode perder a semelhança divina ao usar mal a sua liberdade, ao negar o amor através das suas ações. É a este «desfigurar» de cada um e da criação que chamamos pecado, a negação do bem, do belo, da verdade.

Chegamos assim ao segundo ato, a Queda, a fatídica «trincadela» no fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. É por falta de confiança em Deus e paciência para os seus planos que nos elevamos a reis do Universo: «eu é que sei o que está bem e o que está mal; eu é que sou Deus». Isto desvirtua a Criação e leva-nos a fazer a grande viagem, abrindo assim o terceiro ato: Israel.

Deus não abandona o ser humano à sua sorte e por isso chama Israel, povo escolhido entre as nações, enviando-o à Terra Prometida. Nesta peregrinação do povo de Deus encontramo-nos com muitas figuras marcantes, nenhuma delas ideal, como Abraão e Sara, Isaac, Jacob e Moisés, numa viagem marcada por alegrias e esperanças, dificuldades e infidelidades.

Uma vez chegados à Terra Prometida, vivem guerras, divisões internas e são até submetidos à opressão dos impérios assírio, babilónico, persa, grego e romano. Lentamente, é assim que desponta o quarto ato, cujo centro é a esperança na chegada daquele que derrotará os inimigos de Israel, que reunirá as doze tribos, que restaurará o templo e instaurará o reino dos Céus: o Messias.

Muitos anseiam a chegada de um líder político, religioso ou militar, ou uma conjugação dos três. Mas o verdadeiro Messias, Jesus de Nazaré, chamado Cristo (tradução grega do hebraico mashiah), cumpre plenamente a promessa de Deus de forma inesperada.

Derrota os verdadeiros inimigos de Israel, o pecado e a morte, oferecendo a sua vida. Restaura o templo sem o reconstruir, apontando o seu corpo, a pertença a Cristo como verdadeira religião. Une as tribos e instaura o Reino mostrando-nos o Pai, reunindo-nos na família dos filhos de Deus e enviando os discípulos a anunciar esta boa notícia ao mundo.

É assim que se inaugura o quinto ato, aquele do qual somos protagonistas: a Igreja. Encorajados pelo Espírito, somos chamados a fazer de toda a nossa vida Evangelho, vivendo ao estilo de Jesus. A Igreja é chamada a amar como Ele ama, a rejeitar o pecado e a abrir-se à graça, a ser fonte de vida oferecendo a sua própria vida.

É esta a grande história, da qual fazemos parte. É esta a grande aventura por viver. O Senhor quer fazer das nossas vidas uma divina comédia, um cântico de alegria. E é pela escuta da Palavra de Deus em cada Eucaristia, e no seu estudo e meditação em casa, que esta epopeia ganha forma. Não fechemos os nossos corações a Deus, nem nos demoremos pelo caminho. Corramos, conscientes de que fazemos parte de uma história maior que nós e que Deus conta connosco para a viver com Ele.

In Mensageiro do Coração de Jesus, junho de 2024