À luz de Emaús

Nelson Faria, sj

Cléofas e um outro discípulo vão a caminho de Emaús. Descem de Jerusalém, cabisbaixos e desanimados com o que aconteceu. Jesus de Nazaré, aquele por quem largaram tudo, com quem percorreram trilhos e caminhos, cidades e aldeias a anunciar o Reino, foi crucificado. Discutem enquanto caminham, pois sentem que os últimos três anos das suas vidas foram anos perdidos. Voltam para casa amargurados, estilhaçada que está a esperança de terem encontrado o tão aguardado Messias.

No caminho, encontram um desconhecido que ignora o que aconteceu nesses dias em Jerusalém, algo que os irrita ainda mais. Contam-lhe tudo, abrem-lhe os seus corações e Ele escuta. Quando terminam, Ele adverte-os, dizendo: «Mas isso foi o que Moisés e os profetas nos disseram que tinha de acontecer». Então o desconhecido abre-lhes as Escrituras e eles escutam (Lc 24, 13-35).

Na Eucaristia, após a proclamação do Evangelho, escutamos a homilia. Então, tal como as palavras do desconhecido no caminho levaram os discípulos de Emaús a reconhecer Jesus, também as palavras do sacerdote devem ajudar-nos a reconhecê-lo nas nossas vidas, abrindo as Escrituras, relendo-as à luz do tempo presente e oferecendo-as como alimento espiritual a quem escuta.

Naquela casa em Emaús, ao partir do pão, os discípulos experimentam um vertiginoso crescimento nas virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade. Ao reconhecerem Jesus, a sua confiança em Deus foi reforçada, a sua esperança no futuro restaurada e a vontade de sair de si em amor que serve despertada.

Quando preparo homilias, procuro muitas vezes esta luz de Emaús. Tendo diante de mim a Palavra de Deus e a comunidade, em todo o seu fulgor e dor, pergunto-me: como posso ajudar esta comunidade a crescer em confiança em Deus (fé), a ver um futuro além das sombras do desânimo (esperança) e a entregar-se em amor que serve (caridade)?

Naturalmente, cada sacerdote tem os seus dons e capacidades, cada comunidade as suas idiossincrasias, e a homilia não é um discurso motivacional. Uma homilia pode ter algo de catequese, algo de exegese, algo humorístico, algo doutrinal, algo prático, algo divertido, mas não é nem uma aula nem um espetáculo, não é nem uma conferência nem um comício.

A homilia é um momento de partilha e sintonia, em Cristo, entre sacerdote e comunidade, pelo que será sempre um reflexo da sua relação com Deus, transparência da vida divina nas vidas uns dos outros, onde devem estar presentes denúncia e anúncio, e ecoar, a cada respiro, as palavras do profeta Isaías: «consolai, consolai o meu povo» (Is 40, 1).

A homilia é um encontro com o Ressuscitado, e deve ser preparado. E se a responsabilidade maior pela homilia pertence ao sacerdote, é indiscutível que a comunidade pode assumir um papel mais ativo, começando por crescer em familiaridade com os textos que irá escutar. Na véspera da missa dominical, ou no próprio domingo, seria bom que, em família ou com um grupo de amigos, se meditassem as leituras e se partilhassem intuições e dúvidas, terminando com um propósito que permita colocar o Evangelho em prática durante a semana.

Todos nós somos chamados a percorrer o caminho de Emaús. Deixemos que, através da Sagrada Escritura e como comunidade, o Senhor rasgue um horizonte de esperança, se faça presente no meio de nós e nos inspire a anunciar a sua bondade com gestos que acompanham palavras, com feitos que são, em si mesmos, Evangelho.