O início é a manhã de Páscoa

Nelson Faria, sj

Há uma certa distração generalizada antes de cada Eucaristia. Entramos na igreja a correr porque foi difícil estacionar ou chegar a horas, e por isso procuramos rapidamente um lugar, saudamos alguns amigos e, na melhor das hipóteses, sentamo-nos em silêncio e expetantes pelo que está por vir.

Inadvertidamente, creio que assumimos demasiadas vezes o papel de espetadores, de quem chega para ser “entretido” por algo que vai ter lugar, seja o coro, a homilia ou uma dinâmica especial preparada para esse dia. Mas na Eucaristia não há espetadores: só há participantes. Reunimo-nos para nos encontrarmos com o Senhor e, como qualquer outro bom encontro, temos de o preparar. E são-nos dadas condições para o fazer, seja através do rito, seja através do espaço.

Entramos num lugar que deve estar em relativo silêncio, cujo centro é um altar coberto com uma toalha branca. E sobre o altar, ou ao lado, vemos pelo menos duas velas. Esta é a manhã de Páscoa, em que nada temos como certo exceto um túmulo vazio. Devemos aproximar-nos do milagre que está para acontecer como Maria Madalena, que vai até ao túmulo à procura do Senhor e não o encontra. E por isso chama outros discípulos, que ficam surpreendidos e sem palavras diante do túmulo desprovido de corpo, onde se vê somente panos de linho no chão, dos quais a toalha branca sobre o altar é ícone. E, como Maria Madalena, nós ficamos à espera, cometendo a ousadia de debruçar-nos sobre o túmulo, onde vemos dois anjos – as velas – que nos perguntam: «porque choras?».

Sentados, olhando as velas, devemos deixar-nos questionar pela luz: «o que procuras? O que é que te faz falta? Porque choras?». Permitam-me dizer que, apesar de o sacerdote estar ainda na sacristia, a Eucaristia já está a começar nos nossos corações quando vemos a toalha branca sobre o altar e as velas. A toalha branca e as velas indicam-nos que devemos preparar-nos para a surpresa do encontro com o Ressuscitado, que as nossas expetativas têm lugar, sim, mas há que abrir o coração ao encontro que está por vir, à surpresa.

E o Senhor entra e por isso levantamo-nos e cantamos, porque a vida não pode continuar igual. Quando termina a música de entrada, fazemos o sinal da cruz guiados pelo sacerdote e respondemos à sua saudação inicial em modo quase automático: «Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo». Devemos abrandar o coração e cair na conta de que esta primeira resposta é uma ação de graças: «Obrigado, Senhor, porque se não conhecesse o amor, se não tivesse sido amado, se não amasse, eu não estava aqui. Obrigado, Senhor, pelo amor recebido, que é ele quem nos reúne».

Esta ação de graças com que a Eucaristia começa é a profissão da nossa fé no amor, o nosso agradecimento por nos sabermos amados. O centro das nossas vidas, o centro da celebração é proclamado logo no início: o amor. Infelizmente, tenho a impressão que proferimos mecanicamente estas palavras, como quem quer passar rapidamente ao que se segue, ao ato penitencial. Mas pedir perdão ao Senhor pelas nossas faltas só ganha verdadeira consistência quando somos conscientes de que são falhas de amor: nós, amados por Deus e pelos irmãos, nem sempre somos amor uns para os outros, faltando assim ao amor ao nosso Deus.

Santo Inácio afirma que fomos criados para «louvar, reverenciar e servir Deus, nosso Senhor, e mediante isto salvar as nossas almas». Dito de outra forma, nós fomos criados para agradecer o amor recebido, para reconhecer o amor à nossa volta e para responder generosamente em amor. É este o sentido da vida e o desamor é uma oportunidade perdida, é falhar o alvo, é pecado.

No princípio de tudo está o amor. E só entramos verdadeiramente na Eucaristia, só somos verdadeiramente Eucaristia quando deixamos que os nossos corações se encham desta nossa profissão de fé, própria da manhã de Páscoa, um agradecimento por sermos muito amados que nos deve levar a amar, ação de graças que deve guiar os nossos dias e as nossas vidas.

In Mensageiro do Coração de Jesus, abril de 2024